Uma Batalha Após a Outra
Diretor
Paul Thomas Anderson
Elenco
Leonardo DiCaprio, Sean Penn, Chase Infiniti
Roteirista
Paul Thomas Anderson
Estúdio
Warner Bros. Pictures
Duração
161 minutos
Data de lançamento
25 de setembro de 2025
É impressionante como alguns – poucos – diretores têm a capacidade de navegar entre os mais variados gêneros e conseguir manter a excelência de seus estilos em todos eles. São raros, mas Paul Thomas Anderson é certamente um deles. Em 2021, quando lançou seu último filme, Licorice Pizza, o diretor trouxe uma história que romantiza a Los Angeles nos anos 70 e o espírito jovem de esperança e empreendedorismo, além de ser uma história de amor belíssima. Seus trabalhos anteriores também eram ambientados em tempos passados. Agora, volta aos cinemas (e IMAX, vale muito a pena procurar a maior tela de cinema perto de você), com uma história atual em todos os sentidos, cheia de ação, conflitos e misturando uma realidade desolada com um futuro esperançoso. É um épico grandioso, robusto, mas Paul Thomas Anderson cria um equilíbrio entre o realismo inescrupuloso e a leveza cômica da ficção que faz com que suas quase 3 horas de duração passem voando. A execução é para poucos, e o resultado para menos ainda. O burburinho do Oscar já começou, e a menção de “Uma Batalha Após a Outra” entre os favoritos não é à toa – é justificada e merecida.
Para sua estreia na década de 2020, Paul Thomas Anderson pinta uma versão piorada de um mundo que, infelizmente, conhecemos e já estamos habituados. Numa distopia nada distante, os Estados Unidos estão lotados de centros de detenção para imigrantes (como eu disse, nada distante) e o medo e a repressão são constantes na sociedade. Há um grupo de revolucionários que se opõem ao governo, o French 75. É um grupo extremamente organizado, com sede de justiça e disposto a usar a violência, não necessariamente contra as pessoas, mas contra instituições e propriedade privada. Eles não medem forças para libertar o máximo de imigrantes possível e, dentro de cada núcleo, formam suas próprias comunidades. Uma das primeiras coisas a me chamar atenção nesse universo de “Uma Batalha Após a Outra” é o enfoque em casais interraciais, e logo descobrimos que não é à toa. Se a nossa realidade é racista, a do filme é ainda pior (ou pelo menos mais escancarada), e é dentro desse contexto que estão inseridos os dois protagonistas do primeiro ato, e principalmente a dos dois seguintes, além de ser o conflito central em relação ao vilão. O casal protagonista é formado por Pat (Leonardo DiCaprio) e Perfidia Beverly Hills (Teyana Taylor), dois revolucionários do movimento 75 French que vivem da adrenalina e da vontade de mudar o mundo. Eles falavam a mesma língua, ainda que de forma diferente. Perfidia é explosiva, proativa e sem medo de assumir riscos e se colocar na linha de frente de combate, já Pat tende a agir à uma certa distância, com algumas reservas, mas o amor dos dois é palpável e carregado de uma paixão que só pode vir da urgência de não se ter certeza sobre o dia de amanhã.
Os vilões dessa história poderiam ser muitos, do exército ao governo às entidades privadas, o que não restam são pessoas cheias de má intenções, mas tudo isso é canalizado no Coronel Steven J. Lockwell, um Sean Penn espetacular, capaz de viver um cara tão odioso quanto ridiculamente cômico. Lockwell tem uma obsessão por Perfidia, ele é Coronel, mas pouco se importa com o movimento dos French 75, seu foco está em si mesmo e não na política como um todo – quer dizer, em si mesmo e em Perfidia, a quem fetichiza por sua força, sua dominância e, sobretudo, por ser uma mulher preta, o tipo de pessoa que ele deveria querer distância de acordo com sua visão racista. Ele está sempre atrás dela e dos outros revolucionários por conta de sua posição no exército, mas sempre que tem a oportunidade de prendê-la, acaba entrando em jogos sexuais com ela ao invés. É uma relação instigante proposta por Paul Thomas Anderson, sobretudo dentro do contexto desse universo, brincando com dinâmicas de poder e hierarquia.
O título do filme não é mero detalhe, somos apresentados, realmente, à uma batalha após a outra, porque é isso que uma revolução significa. Pat e Perfidia estão entre os mais renomados e respeitados dos revolucionários, mas derrubar o sistema se prova uma tarefa sem descanso, sem fim, capaz de quebrar até mesmo os mais resilientes – nem mesmo os dois podem resistir. Depois do casal ter uma filha, tudo mudo para Pat, que vira um pai dedicado e amoroso, mas Perfidia não tem a mesma facilidade para se ajustar às mudanças, ser mãe não é algo que vem naturalmente e, muito provavelmente sofrendo de uma depressão pós-parto, ela sai de cena. Esse é o único momento em que o filme perde um pouco de sua força, Teyana é uma força da natureza como Perfidia, facilmente o elemento mais interessante dessa primeira parte, e sua ausência é sentida, mas isso não significa que não vale a pena acompanhar o que vem a seguir, até porque ela, sem saber, deixa seu legado com a filha, que vem a se tornar uma jovem com todas as virtudes da mãe.
O que já era uma grande história ganha ainda mais ramificações quando temos um lapso temporal após a partida de Perfidia e somos trazidos para 2025. Pat agora é um ex-revolucionário e pai paranoico. Depois de deixar os tempos de French 75 para trás, ele e a filha, antes Charlene, ganharam novas identidades e um lugar para morar numa cidade pequena. Eles agora são Bob e Willa Ferguson, Bob vive chapado em casa, com medo de quem poderia encontrá-lo quando saísse, Willa (Chase Infinit) nem ao menos pode ter um celular e é controlada de perto pelo pai, mas é claro que o passado dá um jeito de pegá-los, quando o vilão Lockjaw descobre o paradeiro dos dois. A segunda metade do filme recobra aos poucos as cenas de ação eletrizantes do começo, com o retorno de personagens conhecidos e adição de novos, como o Sensei Sergio St. Carlos (Benicio Del Toro), que se auto titula a Harriet Tubman latina, com sua própria rede de suporte à libertação de imigrantes. Diante de tantas camadas, tramas e subtramas, há um humor afiado, muitas vezes beirando o ridículo, principalmente com as figuras de autoridade.
“Uma Batalha Após a Outra” é uma sátira com comentário social, mas também é tão mais do que isso. Seu elenco é espetacular, Leonardo DiCaprio prova que sua veia cômica continua intacta e melhorada, mas sua coprotagonista da segunda parte, a jovem Chase Infiniti mostra que é um nome a ser observado de perto, a existência de sua personagem na trama é o cerne de todas as questões e recai sobre ela a responsabilidades de cenas importantíssimas com os veteranos Sean Penn e DiCaprio – e ela encara de frente, sem nunca deixar o nível cair. São raras as vezes em que temos roteiro, direção, elenco, fotografia e trilha sonora (e uma baita trilha sonoro, inclusive) estão tão bem alinhados e com tamanha excelência. Estamos diante de um dos melhores filmes do ano, talvez até mesmo dos melhores da década (até agora) e todos os envolvidos devem ter seu mérito reconhecido, sobretudo Paul Thomas Anderson, que comprova, novamente, ser um dos grandes.
Por Júlia Rezende