A BALEIA | UMA HISTÓRIA TRISTE, MAS EMOCIONANTE, SOBRE REDENÇÃO

“A Baleia” é o filme que trouxe de volta às telas o ator Brendan Fraser, há anos esnobado por Hollywood, sem um papel de destaque, ele faz agora sua volta triunfal que já lhe rendeu prêmios e até mesmo sua primeira indicação ao Oscar. Muito tem se falado sobre sua atuação no filme, não somente pela qualidade, mas pela transformação pela qual Brendan foi submetido para viver Charlie, um professor de inglês que sofre de obesidade mórbida pesando mais de 200kg. O ator engordou para interpretar o personagem, mas ainda teve que lidar com uma maquiagem pesada e próteses corporais que acentuam a condição, por baixo de tudo isso, Brendan Fraser ainda consegue fazer com que seu talento ressalte e justifica todo o barulho causado.

A atuação de Brendan Fraser, no entanto, está longe de ser o único ponto positivo da produção, que além de contar atuação excelente de mais membros do elenco, como Sadie Sink e Hong Chau (também nomeada ao Oscar), conta com uma história tocante sobre redenção e fé na humanidade, mas sem uma ideia de expiação absoluta ou otimismo ingênuo. Apesar de uma ideia geral relativamente positiva em seu desfecho, é impossível desconsiderar a melancolia e a tragédia que cercam o enredo desde seus momentos iniciais. A própria história de Charlie é contada a partir de sua última semana de vida, o que é tão triste quanto aparenta ser.

Com sua obesidade mórbida e falta de acompanhamento médico (Charlie diz que não tem dinheiro para arcar com as despesas, já que não tem um plano de saúde), Charlie desenvolveu outras complicações e, recluso em seu pequeno apartamento, sofre com as consequências de suas doenças. Sua maior aflição, contudo, diz respeito às consequências de decisões que vão mais a fundo em seu passado e traumas. Conhecemos Charlie aos poucos, e não paramos de conhece-lo até o final de sua vida, ele é um homem solitário, principalmente por “opção”, sua aparência, ele tem consciência, choca as pessoas, mas é muito mais um gatilho – e um espelho – para o próprio Charlie e seu autodesprezo que vai muito além do exterior. Ele pede para que os entregadores deixem sempre a comida na porta para que não precisem vê-lo, para seus alunos da faculdade à distância, ele insiste que sua webcam está quebrada. A única pessoa com quem ele ainda tem uma relação é sua amiga e, convenientemente, enfermeira Liz, com quem ele compartilha uma relação fundada em algo muito mais sensível do que apenas os cuidados que necessita.

Aprendemos também que os arrependimentos e traumas de Charlie envolvem a morte de seu namorado alguns anos atrás, namorado esse por quem Charlie abandonou não só sua esposa, mas também sua filha que, na época, tinha apenas 8 anos e até hoje, em sua adolescência, lida com as consequências devastadoras desse abandono e é através de uma tentativa de reaproximação com Ellie que ele acaba encontrando sua chance de redenção, não sem antes ser obrigado a enfrentar suas ações e omissões de frente.

“A Baleia” (título que referencia o clássico Moby Dick, importante para o protagonista), cujo roteiro é de autoria de Samuel D. Hunter, é baseado numa peça de teatro do mesmo autor, fato evidente tanto pelo cenário quanto pela quantidade de diálogos, mas as escolhas de direção de Darren Aronofsky também exigem atenção e corroboram para o clima carregado do filme, da escolha da proporção de tela escolhida, que causa um efeito claustrofóbico por ser pequena e apertada, fazendo com que Charlie ocupe ainda mais espaço e pareça encurralado por sua narrativa, até o tom escuro por – quase – toda a duração do filme. Todas essas questões poderiam ter tido um efeito negativo para o resultado geral, mas isso não acontece. Os diálogos são ricos e necessários, a imagem escura reflete a vida que o professor leva e assim por diante.

Que a história é triste, e muitas vezes beira o sadismo, ninguém pode negar. Os momentos de felicidade são escassos, quase inexistentes, mas Charlie é totalmente ciente de todas as suas condições, a física sendo apenas um reflexo das emocionais, e pratica a autossabotagem como autoflagelo. Sua obesidade vem do vício, da compulsão alimentar, a qual ele se rende sem grandes esforços para lutar contra. É interessante observar a fragilidade das relações humanas estabelecidas na narrativa e como nada é apenas uma coisa ou outra. Charlie abandonou sua filha, é inegável sua culpa, mas isso não necessariamente quer dizer que ele não a ama. Liz, sua melhor amiga, está constantemente lhe implorando para que cuide melhor da sua saúde, que prove que se importa, mas em nenhum momento deixa de comprar as comidas altamente calóricas que Charlie pede.

A redenção caminha numa linha tênue entre o perdão e o esquecimento, linha essa que o filme caminha de forma inconstante, mas real e sensível. A relação entre Charlie e Ellie é a parte mais agridoce da trajetória de Charlie e a mais devastadora na curta trajetória de Ellie até agora. A culpa de Charlie nunca é ignorada, nem por ela, nem por ele, afetando a ambos de formas diferentes, mas igualmente traumática. É justamente como respondemos a traumas e decepções – das pessoas e do mundo – que faz toda diferença e isso o filme deixa bem claro, sentimentos ruins enraizados e não resolvidos criam uma corrente difícil, às vezes quase impossível, de ser quebrada, mas apesar da dificuldade, são as pessoas que insistem em interrompê-la que acabam salvando muito mais do que apenas elas mesmas.

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