A MULHER REI | VIOLA DAVIS LIDERA ÉPICO SENSACIONAL COM IRREVERÊNCIA E RELEVÂNCIA

Um dos principais desafios dos filmes de ação, principalmente aqueles centrados em cenas de luta, é conseguir manter a qualidade para além da ação. É comum assistirmos filmes que entregam tudo quando estão a 500km/h, mas pecam quando têm que fazer a história andar num ritmo mais desacelerado, em que a trama e sobretudo as atuações devem falar mais alto. É uma felicidade poder dizer que o aguardado “A Mulher Rei” foge dessa máxima e permanece um ótimo filme do começo ao fim, em praticamente todos os seus aspectos. Grande parte disso se deve ao talento inigualável de Viola Davis, mas a diretora Gina Prince-Bythewood também merece sua parcela de reconhecimento – e muito.

Que Viola Davis é basicamente perfeita em tudo que se propõe a fazer já está mais que provado pelos seus inúmeros papéis das mais variadas naturezas e em “A Mulher Rei” ela consegue mostrar uma faceta inédita até o momento: uma guerreira, líder de um exército africano que existiu de verdade no século XIX. A General Nanisca é responsável por um exército exclusivamente feminino, chamado Agojie, formado para proteger o reino de Daomé (agora conhecido como Benin, no oeste da África). As guerreiras são respeitadas pelo reino e tem um espaço de destaque dentro dessa sociedade, ainda que padrões machistas ainda fossem reproduzidos, afinal de contas elas estão lá para proteger o rei Ghezo (John Boyega), que ainda tem um harém de mulheres a sua disposição. É de um episódio de machismo também que Agojie consegue uma valiosa nova guerreira, a jovem Nawi (Thuso Mbedu) que é mandada para o exército pelo seu pai já que se recusou a casar com um homem que a destratava.

Antes de entrar no mérito do enredo, vale muito ressaltar o tanto que o elenco acrescenta à história e às personagens. Elas são bem construídas desde o princípio, mas o carisma e as emoções que as atrizes emprestam a elas faz tudo parecer ainda maior e mais intenso. A dinâmica de Nawi com a treinadora do Agojie, Izogie (Lashana Lynch) e a dinâmica de Nanisca também com Izogie, a primeira como professora-aluna, a segunda como parceiras-irmãs e são essas relações (junto com toda a ação, óbvio) que formam o coração do filme e o transformam numa história tão interessante e que pode ser assistida e aproveitada por qualquer pessoa. Além desses destaques mais específicos, é um elenco de peso no geral e é possível ver sua dedicação a cada cena e não é pra menos: as atrizes fizeram treinamento físico pesado por 5 meses e acabaram fazendo quase todas as lutas, o que fez toda diferença para a credibilidade dessas cenas, que não economizam na violência das batalhas e na grandiosidade dessas mulheres.

Voltando à trama, o aspecto histórico de “A Mulher Rei” é igualmente importante, trata-se da um reino africano que tinha um pacto com europeus, do qual Nanisca não se orgulhava nem um pouco e faz questão de abrir os olhos do rei Ghezo a respeito da natureza puramente estrategista e eurocêntrica de seus aliados. Ela alerta sua nação para o perigo iminente do Império Oyo, porque vê a problemática por trás da parceria que acaba envolvendo essas nações no tráfico de escravos de seu próprio povo (um fato histórico extremamente relevante e que, felizmente, não foi deixado de fora da narrativa). As nuances das relações entre os povos africanos, seus costumes e crenças e as tradições dos povos colonizadores, representados aqui pelos portugueses apenas somam mais camadas, sempre de forma inteligente.

O melodrama também se faz presente na história, quase sempre de forma positiva. “Quase” porque é numa trama de romance que o filme chega mais perto de derrapar, é uma trama desnecessária e que não combina com as histórias ao seu redor, mas não se aprofunda o suficiente a ponto de realmente estragar a narrativa.

“A Mulher Rei” é um filme dirigido e protagonizado por mulheres negras, com um elenco inteiramente composto por pessoas não-brancas e é absolutamente impossível ignorar a força e relevância que uma produção desse gênero tem não só no atual mercado audiovisual, mas na sociedade como um todo. Ainda assim, mesmo sendo feito por pessoas pretas e para pessoas pretas, é um filme que pode atingir e entreter a todos, simplesmente por contar uma ótima história com excelência. Aos que ainda insistem em reclamar de “lacração” ou “mimimi” sempre que uma história é contada sob o prisma da diversidade, nem esses terão o que reclamar, “A Mulher Rei” é um épico universal, que não levanta bandeiras a todo frame, simplesmente porque a produção já é a bandeira em si.

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