Extremamente contemplativo, “Chuvas suaves virão” mostra uma realidade vazia de forma profunda

Em um dia comum, as crianças de uma pequena cidade acordam, levantam, brincam e, quando percebem, se encontram sozinhas em lugares onde um dia foram suas casas. Os adultos, que antes constituíam significado àquela realidade, amanhecem em um sono profundo que, indefinidamente, não poderia ser desfeito pelas crianças, isolando-as em um mundo agora sem uma sociedade definida, onde os jovens viveriam por si sós.

Tal premissa não é algo inédito na ficção, visto que obras como a recente “The Society”, o livro “O Senhor das Moscas” e o próprio filme infantil de Jimmy Neutron abordam a realidade de um mundo juvenil sem a presença de adultos. Não é, entretanto, a proposta de Chuvas Suaves Virão apresentar uma realidade divertida repleta de doces e nem, muito menos, uma história sobre a reconstrução da sociedade e seus conflitos, se propondo assim a apresentar uma narrativa crua e amedrontadora, onde a solidão e o receio guiam a ação de cada criança presente.

Não é por estarem em grupo, entretanto, que a solidão é menos devastadora para os protagonistas: a falta que cada um sente de uma figura adulta responsável está marcada em cada um de seus diálogos e ações. Começam esperançosos, e não perdem a chance de tentar acordar seus pais sempre que possível, mesmo que todas as tentativas se demonstrem falhas e inúteis. A quebra de expectativa faz com que tanto os personagens quanto os espectadores entrem em um clima melancólico, vazio e, consequentemente, desesperançoso, o qual compõe grande parte do Longa-metragem, interrompido apenas por momentos pontuais onde o carisma das Crianças se torna maior que a melancolia do ambiente.

Em determinado ponto da trama, o grupo de protagonistas decide por levar uma das personagens para sua casa, em uma cidade relativamente distante de onde se encontram – acreditando que, com isso, conseguirão encontrar o irmão caçula da personagem. A viagem percorre mais da metade do filme, e nela vemos as Crianças se aproximando, cada vez mais, umas das outras, encontrando um refúgio e uma leve sensação de segurança em seus companheiros de viagem – ao encontrar uma adolescente poucos anos mais velha que o grupo, percebem que ela é o mais próximo possível de uma figura adulta que terão naquela nova realidade. Outro fator que mantém a inocência do grupo de amigos são os animais que caminham com eles, dois cachorros que instigam a fraternidade entre os protagonistas e se mantém como um elo comum entre cada um deles.

Extremamente contemplativa, a viagem propicia ao espectador momentos artisticamente instigantes, tanto na simplicidade de seus diálogos quanto em suas paisagens significativamente belas, porém vazias e solitárias, compondo um cenário pós-apocalíptico que, novamente, emergem o espectador em um clima de pacificidade beirando o isolamento e a agonia. Tais sentimentos se intensificam em uma cena de perseguição que, rapidamente, pega o espectador de surpresa, apresentando uma quantidade de sangue suficiente para acabar com o restante de calma presente no público. O desespero das crianças, inaptas a resolver os problemas ali presentes, demonstra um momento de catarse acerca da situação que dá sentido à trama: sozinhas, mal conseguem se alimentar, então como irão sobreviver se torna um mistério cada vez mais aflitivo e semana resposta definida.

Dividido por capítulos de tamanhos diferenciados, o filme dirigido por Iván Fund pode ser lento e contemplativo demais para o público acostumado apenas com narrativas comuns e simplificadas, mas não deixa de encantar seus espectadores com uma trama surpreendente, beirando a fantasia e, ao mesmo tempo, aberta às mais diversas interpretações. Chuvas Suaves virão, assim, é uma obra complexa e profunda sobre o vazio existencial de um grupo de pessoas que, mesmo juntas, se encontram sozinhas em uma realidade predominantemente desesperançosa, encontrando refúgio e conforto nos pequenos momentos vividos ao lado daqueles em que se compartilham a jornada.Em um dia comum, as crianças de uma pequena cidade acordam, levantam, brincam e, quando percebem, se encontram sozinhas em lugares onde um dia foram suas casas. Os adultos, que antes constituíam significado àquela realidade, amanhecem em um sono profundo que, indefinidamente, não poderia ser desfeito pelas crianças, isolando-as em um mundo agora sem uma sociedade definida, onde os jovens viveriam por si sós.

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