MORTE. MORTE. MORTE. | UMA SÁTIRA E HOMENAGEM À GERAÇÃO Z EQUILIBRANDO TERROR E COMÉDIA

Um grupo de jovens ricos, majoritariamente brancos, em seus 20 e poucos anos, mais ou menos amigos antigos e mais dois novatos agregados (um deles um homem bem mais velho) se reúnem na mansão da família de um deles para uma festa no meio de um furacão. Só por essa introdução já é possível identificar os principais elementos de um filme de terror clássico: jovens, uma mansão isolada, festa e um temporal. Não satisfeitos, eles ainda tomam a duvidosa decisão de jogar um jogo do tipo detetive chamado Morte Morte Morte, sugestivo, não? No jogo eles fazem um sorteio e um deles, o que tira o papel de assassino, tem que “matar” os outros tocando em seu ombro, a vítima deve se fazer de morta e os outros têm que descobrir quem é o assassino, tudo isso no escuro, é óbvio. Se até aqui você está convencido de que esse é só mais filme de terror clichê, você está errado – mais ou menos. É sim um filme de terror recheado de clichês, mas todos eles são conscientes e usados de forma original.

Esses jovens agem como se espera de uma caricatura de um jovem da geração Z, todos os estereótipos inclusos. Eles são todos apegados aos celulares, usam e abusam de palavras “inventadas” para o politicamente correto, gravam dancinhas para o TikTok, bebem, usam drogas, e apesar de indicarem se conhecerem há um bom tempo, é fácil ver que suas relações são superficiais e cheias de animosidades disfarçadas. Até os próprios personagens são unidimensionais de certa forma, trazendo, cada um, uma característica específica que permite que sejam colocados dentro de caixinhas. David (Pete Davidson), o dono da casa, é exatamente o que se espera de um jovem branco que carrega todos os privilégios que a sociedade pode oferecer, Emma (Chase Sui Wonders) é sua namorada, insegura e sem autoestima, acaba acatando sempre a vontade da maioria. Alice (Rachel Sennott), a apresentadora de um podcast, é sem dúvidas a personagem mais divertida e a mais avoada também, e ela leva para a mansão Greg (Lee Pace), um cara na casa dos 40 anos que ela conheceu no Tinder. Jordan (Myha’la Herrold) também faz parte do grupo e é a mais consciente e mais proativa de todos. Por fim, se junta a eles o casal que abre o filme, Sophie (Amandla Stenberg) e Bee (Maria Bakalova, indicada ao Oscar por sua performance em Borat 2), Sophie faz parte do grupo, mas estava distante há um tempo por conta de problemas com drogas e Bee é sua nova namorada, uma imigrante russa que não parece combinar muito com o restante dos jovens. O grupo ainda conta com Max, que já foi embora antes de Sophie e Bee chegarem porque se envolveu numa briga com David. Acho que não preciso dizer que todos eles – e a dinâmica entre eles – são extremamente tóxicos.

O terror começa quando, durante o jogo Morte Morte Morte, um deles aparece morto de verdade (é a primeira morte, mas certamente não a última) e o que era para ser apenas uma brincadeira vira a realidade desses jovens que precisam descobrir quem é o assassino entre eles. É muito difícil equilibrar a comédia com o horror, apesar de ser uma coisa relativamente comum nos filmes de slasher, muitas vezes o que acaba acontecendo é que rimos dos eventos absurdos que levam à morte dos personagens. Aqui, a diretora Halina Reijn demonstra que domina muito bem os dois gêneros e sabe como manipulá-los para as reações certas nas horas certas. As cenas em que o terror predomina são verdadeiramente assustadoras, é impressionante ver o trabalho de câmera e como o escuro e as sombras são usados não só para jump scares, mas principalmente para criar e alimentar o suspense e enfatizar a tensão, a trilha também colabora para esse clima, ajudando na mudança do terror para a comédia, também muito presente.

Morte Morte Morte não é tensão e terror do começo ao fim, suas cenas de terror dão muito medo, mas suas cenas de comédia também causam muito risos. A principal fonte do humor são as particularidades dessa nova geração, em uma das melhores cenas do filme as meninas entram numa discussão tão característica da geração Z que ao mesmo tempo que parece inventada, você simplesmente sabe que ela poderia acontecer em qualquer sessão de comentários num post minimamente polêmico de algum influencer no Instagram.

O filme é, sem dúvidas, uma sátira do nosso momento atual, mas é também um filme que até mesmo os jovens que se virem nele poderão aproveitar e rir igual desses personagens que são versões exageradas da realidade, mas críveis e até eles mesmos reconhecem os traços mais irritantes de sua geração. O caos de colocar essas pessoas numa situação de alto estresse e assassinatos poderia acabar sendo tão irritante quanto eles, mas o roteiro e a direção (atuação e fotografia também) são tão bem acertados que nunca chega a ser chato – muito pelo contrário, o resultado é mais que satisfatório.

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