8.4/10

Perrengue Fashion

Diretor

Flavia Lacerda

Gênero

Comédia

Elenco

Ingrid Guimarães, Rafa Chalub, Filipe Bragança

Roteirista

Ingrid Guimarães, Marcelo Saback, Celio Porto, Edu Araújo

Estúdio

Amazon MGM Studios e Morena Filmes

Duração

94 minutos

Data de lançamento

09 de outubro de 2025

Paula é uma influenciadora de moda e lifestyle que recebe um convite para estrelar uma campanha de Dia das Mães ao lado do filho Cadu, que estuda Business em uma renomada universidade nos Estados Unidos. Seus planos acabam indo por água abaixo quando o filho decide abandonar tudo e se muda para o interior do Amazonas. A influenciadora vai atrás do filho e embarca em uma viagem transformadora que a fará repensar suas escolhas de vida e o novo trabalho, mas sem nunca perder o estilo.

É cada vez mais absurdo o conceito de generalizar o cinema nacional. Todos os anos, principalmente nos últimos, são lançados filmes brasileiros dos mais variados gêneros e para os mais variados públicos. Nosso cinema está vivendo um momento incrível e todas as produções acabam se beneficiando desse sucesso, assim como o público, que tem cada vez mais opções de qualidade para escolher. Ainda assim, é impossível pensar em cinema nacional e não associá-lo com a comédia, a relação do espectador com a comédia é antiga, profunda e intrínseca, desde o teatro, até a televisão e o cinema; o povo brasileiro é um povo feliz, mesmo nos momentos em que não tem tantos motivos para o ser, e que sorte a nossa de ter uma cultura que reflete essa alegria inerente A comédia está no DNA do brasileiro e não é à toa que esse é o gênero que mais leva público aos cinemas, franquias como Minha Mãe É Uma Peça, De Pernas pro Ar, Se Eu Fosse Você arrastam multidões para o cinema e ajudam a solidificar nossa indústria. 

Se a comédia é uma paixão do nosso povo, então por que ainda existe tanto preconceito? 

Quando o trailer de Perrengue Fashion foi lançado nas redes sociais, e quando outros trechos foram lançados também, quase sempre apareciam comentários difamatórios, não só a respeito do filme (que ainda nem tinham assistido), mas sobre o cinema nacional como um todo, “é por isso que não gosto de filme brasileiro”, “que vergonha” e coisas do tipo. Há tantos preconceitos e inconsistências nesse tipo de “observação” que é difícil encontrar um foco. O cinema brasileiro é rico em muitos sentidos (ainda que não financeiramente), com artistas talentosos e um público grande o suficiente para todos eles. Ainda assim, a síndrome do vira-lata fala mais alto, principalmente na hora de comparar o cinema brasileiro com o estrangeiro, sobretudo o Hollywoodiano. Nosso cinema jamais será Hollywood, simplesmente porque somos outro país, com outros costumes, outra cultura e, inevitavelmente, outra situação financeira. Todos os anos Hollywood estreia filmes com orçamentos exorbitantes e que são fracasso de crítica, mas ainda assim não leva o estigma de ser ruim, ou de não valer a pena, como acontece com o cinema brasileiro.

É claro que o nosso cinema não é feito apenas de obras-primas – assim como Hollywood. Em comparação a outras indústrias, ainda estamos apenas “começando”, ainda buscando uma identidade para chamar de nossa, mas se tem um gênero que chega mais perto de nos representar, certamente é a comédia. Essa tendência de rechaçar tudo aquilo que é intrinsecamente nosso só nos faz perder, como povo, como cultura, como cinema. O prejuízo é ainda maior quando se trata de filmes como o mais novo lançamento da Paris Filmes, Perrengue Fashion. Nascido de uma ideia de Ingrid Guimarães, com direção de Flavia Lacerda (que recentemente co-dirigiu a sequência de O Auto da Compadecida, sucesso de bilheteria) e roteiro de três jovens engajados, o filme une o que o atual cenário humorístico tem de melhor a oferecer. Ingrid Guimarães é um dos maiores nomes da comédia, posto que dividia com o saudoso Paulo Gustavo; durante a coletiva de imprensa do filme, a própria atriz compartilhou que, após o falecimento de Paulo Gustavo, a irmã dele falou que agora a responsabilidade de continuar levando o público brasileiro aos cinemas era responsabilidade de Ingrid – pode ser uma brincadeira como amigas, mas a atriz tem atendido à expectativa mesmo assim. Seu último filme, Minha Irmã e Eu, foi o primeiro filme brasileiro a levar mais de 2 milhões de pessoas ao cinema depois da pandemia.

Minha Irmã e Eu, inclusive, tem semelhanças com Perrengue Fashion, além de ser uma ideia de Ingrid Guimarães. Ambos conseguem ser uma comédia engraçada, sem apelação e com uma mensagem verdadeiramente sensível como pano de fundo – e ambos fazem isso extremamente bem.

Tem algo muito especial e louvável em obras com o poder de se comunicar – e mais do que isso, se conectar – com o público, falando sua língua, espelhando seus hábitos e costumes. Em Perrengue Fashion, isso acontece em diversos âmbitos e em várias camadas, a começar por Paula Pratta (Ingrid Guimarães), uma mulher que está no auge de seus 50 anos e é cheia de sonhos e ambições profissionais. Ela é uma influencer de moda, mas teve uma origem humilde e não tem medo, e muito menos preguiça, de trabalhar. Ao seu lado tem Taylor (Rafa Chalub), seu melhor amigo e melhor funcionário, não que ele tivesse concorrência, já que, sozinho, ele cuida de toda a presença digital de Paula. Embora o mundo da moda pareça maravilhoso nas redes sociais (e talvez realmente seja, pra galera com dezenas de milhões de seguidores), a realidade para quem ainda está tentando conquistar seu espaço é muito mais difícil. A parte do “perrengue” que o título sugere é bem fácil de identificar, e ainda mais fácil de rir junto. 

A melhor parte do humor de Perrengue Fashion é que ele não subestima seu público, nem recorre a subterfúgios mais óbvios, provando que é possível provocar risadas com um roteiro polido e personagens tridimensionais. Apesar dos sufocos existirem desde sempre, eles se intensificam quando Paula tem a grande chance da sua vida: representar uma marca de luxo numa campanha. É a oportunidade dos sonhos, mas é uma campanha de mães e filhos e, para participar, ela tem que convencer seu filho Cadu (Filipe Bragança) a tirar uma pausa de sua faculdade de Business nos EUA e voltar para o Brasil para fotografar com ela. Poderia ser algo fácil, mas Paula descobre que Cadu não está nos EUA estudando e sim vivendo numa ecovila sustentável no meio da Floresta Amazônica, então ela vai atrás dele, com Taylor. A dupla é a personificação da vida urbana e, de repente, se vê obrigada a encarar um estilo de vida completamente oposto.

O contraste entre Sul e Norte do país é retratado com leveza e bom-humor, Paula e Taylor são completamente alienados e, basicamente, sem-noção, mas têm o coração no lugar certo: a receita perfeita para uma boa comédia. Por outro lado, temos Cadu, extremamente consciente do lugar que ocupa no mundo e de seu propósito de vida. Ele quer salvar o mundo e largou tudo nos EUA para seguir sua vocação na Amazônia – sem a mãe saber. A dinâmica da relação mãe e filho é o que traz a sensibilidade ao filme, além de retratar também o choque geracional, outra camada interessante dessa história. Cadu é mais consciente, mais engajado com as causas ecossociais, mais altruísta. Paula ainda busca o sucesso profissional, os sonhos pessoais que teve que deixar em 2º plano para priorizar a criação do filho que ela tanto ama. Às vezes eles não parecem falar a mesma língua e esse desencontro, obviamente, causa atritos, mas o roteiro é inteligente ao tratar ambos personagens como pessoas completas, sem desacreditar ou desvalorizar suas vontades e suas crenças. É uma delícia assistir a um filme que constroi uma narrativa que não determina um lado como certo e o outro como errado, e sim nos apresenta elementos suficientes para que a gente compreenda todos os envolvidos. 

Outro ponto forte de Perrengue Fashion é a relação entre Paula e Taylor, o núcleo mais cômico e responsável pelas maiores gargalhadas. Taylor representa a figura mais atual do jovem descolado e cronicamente online. Ele também é uma figura carimbada da comédia brasileira: o melhor amigo gay. A grande diferença, no entanto, é que aqui esse personagem é acompanhado de um roteiro socialmente consciente e um ator capaz de tirar o personagem do estereótipo e fazer com que ele se torne o contador das piadas e não o motivo delas – quando ele é motivo de piada, é porque foi ele mesmo quem a fez, e qualquer um que seja da comunidade LGBTQIA+ pode entender e rir junto. Para quem já acompanha a carreira de Rafa Chalub (que os menos conectados podem conhecer como Esse Menino, aquele do vídeo da Pfizer na época da pandemia) vai encontrar paralelos entre ele e Taylor, mas isso não diminui em nada o êxito de Rafa no seu primeiro papel para os cinemas. Ele é capaz de manter seu humor característico, mas o adequa à realidade fictícia com naturalidade e graça; também ajuda que sua química com Ingrid Guimarães seja tão escancarada – os dois convencem como amigos, na verdade como melhores amigos, daquele tipo que não pensa duas vezes antes de apontar seus erros, mas quer sempre o seu melhor. 

O cenário da Floresta Amazônica, retratado por uma fotografia primorosa de Paulo Vainer que adiciona ainda mais à qualidade do filme, garantindo um visual belíssimo que justifica a escolha da Amazon de colocar Perrengue Fashion nos cinemas e não diretamente no streaming como originalmente previsto. Com um elenco estelar, um roteiro atual e dinâmico, discussões relevantes, um toque de emoção e muito humor, esse é mais um acerto de Ingrid Guimarães e uma ótima adição ao cardápio já variado do nosso cinema brasileiro. Fica a torcida para que essa produção, nitidamente feita com esmero, possa ver sua entrega refletida nas bilheterias.

 

Por Júlia Rezende

9

Missão cumprida

pt_BR