8.0/10

Trilha Sonora para um Golpe de Estado

Diretor

Johan Grimonprez

Gênero

Documentário

Elenco

Roteirista

Johan Grimonprez

Estúdio

Pandora Filmes

Duração

150 minutos

Data de lançamento

30 de janeiro de 2025

Jazz e descolonização estão entrelaçados nesta montanha-russa histórica, que reescreve o episódio da Guerra Fria que levou os músicos Abbey Lincoln e Max Roach a invadirem o Conselho de Segurança da ONU em protesto contra o assassinato de Patrice Lumumba — político que liderou a independência da República Democrática do Congo.

Trilha Sonora para um Golpe de Estado não é o primeiro, e certamente não será o último, documentário sobre a interferência negativa dos Estados Unidos no processo democrático de países menos desenvolvidos. No entanto, é difícil imaginar qualquer outro documentário que consiga trazer tantos fatos da forma que “Trilha Sonora para um Golpe de Estado” traz, tanto que concorre ao Oscar de Melhor Documentário, muito merecidamente. Esqueça a estrutura clássica de um documentário ou o excesso de “talking heads”, o novo documentário de Johan Grimonprez utiliza de diversas figuras de linguagem para falar de diversos assuntos que, de alguma forma, ainda conversam entre si (assim como sua forma) para formar uma unidade congruente e, acima de tudo, única. O filme é sim sobre a influência dos Estados Unidos sobre países menos favorecidos, mas resumi-lo a isso seria extremamente diminutivo. 

O colonialismo é apenas uma das vertentes apresentadas neste documentário que cobre mais de uma década de história, entre os anos 50 e 60 e carrega uma trilha sonora que justifica seu título. Entre recortes de jornais, trechos de programas de televisão, entrevistas e citações (todas apresentadas de um jeito dinâmico e divertido), temos sempre o jazz como pano de fundo. Por si só, o jazz já seria uma trilha sonora acertada para esse documentário de ritmo frenético, com idas e vindas através do tempo e do espaço, lembrando o improviso surpreendente característico do gênero, mas aqui o jazz não é só trilha, como também desempenha um papel chave no enredo. Através de sua narrativa, Johan Grimonprez embasa a teoria de que os Estados Unidos usaram o jazz – e suas estrelas mais proeminentes na época, incluindo nomes como Louis Armstrong, Duke Ellington e Quincy Jones, na Guerra Fria, com o intuito de interferir no processo de democratização da República do Congo e, eventualmente, no assassinato de Patrice Lumumba, o primeiro Primeiro Ministro do país.

“Trilha Sonora para um Golpe de Estado” é um documentário tão denso quanto intenso, e contém uma enorme gama de informações relevantes, que às vezes podem parecer não fazer parte do mesmo contexto, mas que acabam se encaixando de uma forma eloquente. Acima de um documentário, é uma experiência. Com 2 horas e meia de duração e fatos relevantes a todo momento, você não deve desviar o olhar nem por um segundo, mas isso não é exatamente um desafio. Com uma temática interessante e uma linha de raciocínio mais interessante ainda, o filme foge do ordinário para desenvolver suas teorias. Embora esteja falando de fatos ocorridos há mais de meio século, inserções de vídeos sobre Teslas e Iphones nos lembram de quanto do passado continua mal resolvido. Enquanto o (agora) Congo lutava pela sua independência, Grimonprez argumenta que Estados Unidos (incluindo a CIA), a ONU e a Bélgica (colonizadora do Cong) estavam em conluio para incentivar a guerra civil no território Congo e aproveitar a instabilidade para tomar posse de suas riquezas naturais, que serviam para combustível. 

A história de Lumumba e da teoria da conspiração colonial contra o território africano se intercala e converge com a teoria de que os EUA usaram o jazz como uma cortina de fumaça para suas reais intenções, enquanto colocavam os artistas, todos negros, em um tour pela África, espalhando a ideia de que o jazz representava a ótima vida americana – mesmo que, nos EUA, a segregação ainda fosse uma realidade. Ao mesmo tempo, vemos os artistas negarem que tenham exercido esse papel e mostrando sua própria militância em relação aos direitos civis. É impossível assistir e não se indignar ao reconhecer o papel de países ricos no processo de colonização com o objetivo único de exploração. Esse filme, especificamente, está falando de um país africano, mas poderia estar falando sobre dezenas mais – e agora.

 

Por Júlia Rezende

9.5

Missão cumprida

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