SEM ROMANTIZAR OU VITIMIZAR A ASSASSINA, “A MENINA QUE MATOU OS PAIS” E “O MENINO QUE MATOU MEUS PAIS” NÃO TOMAM PARTIDO

A tragédia familiar é um dos gêneros mais antigos da literatura e do teatro e todas essas estórias têm inspirações na realidade. A vida real é mais cruel do que qualquer obra de ficção é este o ponto que torna o gênero “true crime” fascinante. O caso Von Richthofen teve uma repercussão absurda em 2002 por reproduzir motes clássicos de filmes e livros: casal jovem, conflito de classes sociais, disputa de herança milionária e assassina com aparência frágil. Finalmente o caso deixou as páginas policiais para virar um filme. Ou melhor, dois filmes.

Os longas “A MENINA QUE MATOU OS PAIS” e “O MENINO QUE MATOU MEUS PAIS” lançados pelo Amazon Prime Video, recontam o crime brutal que vitimou Manfred e Marísia Von Richthofen, partindo do depoimento de Daniel Cravinhos e Suzane Von Richthofen no júri que condenou os dois. Ela a 39 anos de prisão e ele e os irmãos Cravinhos a 38.

As produções recontam a relação dos dois jovens desde o dia que se conheceram até o dia do crime. Um ponto positivo dos roteiros é ele ser bem objetivo e centrado na construção do crime. Não tem dramaturgia lateral. Não há tentativa de criar uma justificativa no passado para moldar a personalidade de um autor de crime que algumas obras de ficção caem na tentação de seguir. E esse é um ponto que vai pegar em cheio os fãs de “true crime”.

Em “A MENINA QUE MATOU OS PAIS”, pelo ponto de vista de Daniel, vemos uma Suzane que mostrava múltiplas personalidades e que via na relação uma possibilidade de ter uma liberdade que não tinha em casa. Através de presentes e da sua personalidade foi envolvendo o namorado até convencê-lo a cometer o crime. Já em “O MENINO QUE MATOU MEUS PAIS”, pelo ponto de vista de Suzane, vemos uma menina inocente que vivia uma vida perfeita que foi destruída aos poucos por um relacionamento abusivo que culminou com a morte dos seus pais.

O elenco é um dos acertos do filme. Carla Diaz tem talvez o papel mais emblemático e difícil da sua carreira. Ela consegue dar várias camadas à personalidade de Suzane e é nítida a mudança desses perfis nos dois longas. E Leonardo Bittencourt como Daniel, também faz uma boa combinação com ela para segurar o ritmo da trama.

A direção de Maurício Eça acerta por não tentar inventar a roda. Ela é assertiva sem tentar contar uma história além da história. Os roteiros de Ilana Casoy e Raphael Montes, já estabelecidos no gênero na literatura, repetem o sucesso de “Bom dia, Verônica”. A montagem privilegia a experiência de quem vê os dois filmes em sequência ajudando o espectador a construir a sua própria história.

Os filmes sofreram com adiamentos no lançamento causados pela pandemia e ganharam tempo para negociar com as plataformas de streaming até ser lançado com exclusividade pelo Amazon Prime Video. E era o melhor formato de lançamento possível para o longa, já que no cinema, com duas exibições separadas, os filmes corriam o risco de uma recepção dispersa e uma grande dificuldade de logística para abrigar os dois longas nas mesmas salas rivalizando com outras produções estrangeiras.

Em tempos polarizados, a maior virtude do filme é não agregar valor. Não temos uma romantização e nem vitimização da assassina, temos pontos de vistas diferentes de um mesmo crime para entender melhor como tudo aconteceu. 

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