TRIÂNGULO DA TRISTEZA | UMA SÍNTESE DA SOCIEDADE EM FORMATO DE SÁTIRA

“Eat the rich” é uma expressão que numa tradução literal seria “coma os ricos” e é associada ao movimento anticapitalista. Hoje em dia, no entanto, é cada vez mais popular como uma espécie de subgênero do cinema, com filmes como “Entre Facas e Segredos”, “Casamento Sangrento” e o recente “O Menu”, em que a trama funciona como uma crítica ou análise (geralmente crítica) ao capitalismo e o sistema é invertido para que os ricos saiam como “vítimas” das regras que sempre os beneficiaram. Essa subversão do que estamos tão acostumados a viver no dia a dia tem sido bem aproveitada principalmente pelo gênero da comédia e da sátira, como nesse caso.

“Triângulo da Tristeza”, um dos indicados ao Oscar de Melhor Filme desse ano é, ao mesmo tempo, um epítome do “eat the rich” e da sociedade num geral. Não há sutilizas ou conotações, tudo está revelado desde o começo e os personagens são o que esperamos que sejam, mas nada disso chega a ser propriamente negativo. Dentre todas as produções recentes com esse tema, essa se destaca não apenas pelo seu roteiro envolvente, mas especialmente por levar as situações ao extremo e provocar um rol extenso de sensações e sentimentos em seus espectadores, seja para o bem ou para o mal.

O filme de quase 2 horas e meia de duração é dividido em 3 atos, cada um com um cenário diferente. O primeiro é focado em Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean), um casal dentro de todos os padrões possíveis, que conhecemos durante um jantar num restaurante de classe alta em que eles dividem uma mesa, mas já é percebível que a aparência é a única coisa que os une. Os primeiros indícios sobre o tema central do filme começam com o final do jantar, Yaya automaticamente presume que Carl pagará a conta, levando a uma discussão que os acompanha até seu quarto de hotel (pago por Yaya, como ela mesma faz questão de lembrar). Essa situação estabelece o rumo de todo o resto: é tudo sobre dinheiro e as relações de classe e de gênero.

Essas relações se intensificam no segundo ato, agora com Yaya e Carl num cruzeiro para super-ricos, o casal está lá para publicidade, Yaya é uma influencer e deve promover o navio em suas redes sociais, e eles conhecem os demais personagens, todos igualmente intragáveis e retratos um tanto caricatos, mas ao mesmo tempo estranhamente possíveis. Esses passageiros fazem parte do que é conhecido como “1%” (o 1% da população que mais fatura) e são completamente descolados da realidade dos outros 99% da população. A relação entre passageiros e a tripulação escancara a disparidade entre as classes, dos pedidos mais esdrúxulos aos comentários mais insensíveis, culminando num jantar com o capitão do navio (Woody Harrelson). Depois do jantar que dá errado de todas as maneiras possíveis (uma mais nojenta do que a outra, já prepare o estômago para aguentar cenas gráficas) um diálogo interessante entre o capitão marxista e Dimitry, um passageiro que está para comprar o navio e obviamente capitalista que, ironicamente, ficou rico vendendo esterco, resume bem as questões que o filme se dispõe a analisar e rende umas boas risadas.

É impossível falar do terceiro ato sem dar spoilers, mas ele serve para estremecer as fundações do mundo conhecido pelos ricos e coloca-los numa inversão de papéis que é a própria definição de eat the rich. Nada em “Triângulo da Tristeza” é exatamente complexo. Ruben Östlund brinca a todo tempo com as obviedades e até mesmo as metáforas são bem diretas, fica à mercê do espectador como isso será recebido, sátira ou redundância.

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