Coração de Lutador
Diretor
Benny Safdie
Gênero
Drama
Elenco
Dwayne Johnson, Emily Blunt, Ryan Bader
Roteirista
Benny Safdie
Estúdio
A24
Duração
123 minutos
Data de lançamento
02 de outubro de 2025
Todo ano algum ator que aparece “irreconhecível” num bom filme acaba cotado para o Oscar. Esse ano, Dwayne Johnson ficou ainda maior e usou próteses no rosto para ficar mais parecido com Mark Kerr e contar a história real de uma fase de sua vida. A transformação física é irrefutável, muitas vezes olhamos para a tela e mal podemos reconhecer Dwayne “The Rock” Johnson, mas o maior mérito do ator é a transformação de sua atuação, e não visual. Conhecido primeiramente como lutador de WWE, para depois se tornar o ator mais bem pago de Hollywood, Dwayne Johnson já interpretou papeis de ação, de super-herói, de comédia, mas até agora não tinha tido a oportunidade de provar que é talentoso o suficiente para fazer qualquer tipo de papel. Em “Coração de Lutador”, vemos um ator completo dar vida à um personagem da vida real, com camadas, controvérsias e uma trajetória cheia de altos e baixos. É um bom filme, com um bom roteiro e uma boa direção, mas torna-se ótimo por conta da entrega de Dwayne Johnson.
Dirigido por Benny Safdie, em seu primeiro projeto sem o irmão, Josh Safdie, “Coração de Lutador” consegue a façanha de ser um “Oscar bait” e ser uma cinebiografia de um esportista e ainda assim exceder – e subverter – as expectativas. Quando assisti Creed e gostei mesmo não sendo fã de lutas, ou quando gostei de F1 mesmo não sendo fã de corridas, foi porque esses filmes trazem uma imersão impressionante para o esporte que estão retratando, te colocando no meio da ação e fazendo com que cada movimento pareça grandioso (“Rivais” conseguiu fazer o tênis parecer emocionante). Se tratando da história de um lutador, Michael Kerr, um dos pioneiros do MMA, Benny Safdie poderia ter escolhido esse caminho, afinal ele tinha em suas mãos um ator acostumado com lutar pelo espetáculo, mas o diretor escolhe se manter fiel ao seu estilo indie e realista, desenvolvendo o personagem e as cenas muito mais fora dos octógonos do que dentro deles. Ainda há montagens de treino em que Dwayne tem a chance de mostrar seu físico impressionante – ele não ganhou 15 kg de músculos à toa, mas essas cenas servem mais a um propósito dramático do que imersivo. Essas decisões jogam a favor do filme e mostram a habilidade de Safdie de fugir do óbvio para criar algo realmente profundo.
Michael Kerr é uma figura polêmica. Quando vemos os eventos de UFC hoje, com seus lutadores mais famosos nadando em rios de dinheiro, é estranho ver o começo bem menos glamuroso desse tipo de luta (principalmente se você não sabe nada sobre, como é o meu caso). O filme começa no Brasil, em 1997, quando essa modalidade ainda começava a dar os primeiros passos e Kerr já era o grande nome do momento. Com sua montanha de músculos, ele era literalmente imbatível – ao ser perguntado por um jornalista sobre como ele se sentiria caso perdesse uma luta, ele simplesmente não soube responder, a ideia de perder nem ao menos passava pela sua cabeça. Um lutador que nunca perdeu poderia ser uma história interessante, mas certamente não renderia um filme, então é claro que a carreira de Kerr viu seus altos e baixos. O lutador tinha uma relação tóxica com a namorada e com os remédios. A namorada, Dawn, é praticamente uma antagonista de Kerr, com boas intenções e um bom coração, assim como ele, mas apesar do amor eles trazem à tona o pior lado um do outro. Dawn não tem muito desenvolvimento individual dentro da narrativa, mas a atuação sente impecável de Emily Blunt traz uma camada de sensibilidade que nos permite observar os dois como um casal mutuamente nocivo e perdido dentro de suas próprias inseguranças.
Também se distanciando do previsível, o enfoque maior da história não está nas vitórias, e sim nas derrotas de Michael Kerr. Sua vida sai do prumo quando o inimaginável acontece, e ele perde uma luta pela primeira vez e é obrigado a encarar o fato de que ele é um humano suscetível a falhas, na vida e no octógono. Acostumado a ganhar e sem qualquer preparo para a derrota, se afunda cada vez mais nos remédios e vê sua carreira sendo ameaçada, assim como seu relacionamento. Toda essa montanha-russa de emoções requer um bom ator para atravessar a tela e impactar o espectador, e Dwayne Johnson faz isso muito bem, tanto em cenas que requerem uma certa sutileza, em que o conflito fica nas entrelinhas, até quando precisa explodir. Seus colegas de elenco também levam mérito, tanto Emily Blunt que eleva as cenas em que participa, até para o não-ator Ryan Bader no papel do também lutador, e melhor amigo de Kerr, Mark Coleman, que ajuda a trazer o ar mais naturalista, característico da direção.
Apesar do esporte estar sempre presente, “Coração de Lutador” é mais intimista que a maioria dos filmes esportivos. Como biografia faz um trabalho bonito e honesto ao não tentar pintar uma imagem unidimensional e sanitizada do Michael Kerr real (que podia ser tão agressivo quando gentil), coisa que as biografias brasileiras poderiam tentar replicar vez ou outra. O filme não é apenas uma homenagem ou uma história de origem, e sim um retrato de um homem que teve que enfrentar seus próprios demônios para aceitar sua própria fragilidade, como qualquer outro. Embalado numa bela trilha sonora e num visual elegante, o resultado é um filme capaz de nos mostrar uma história real e emocionante.
Por Júlia Rezende