BOA SORTE, LEO GRANDE | COMÉDIA BRITÂNICA SOBRE LIBERTAÇÃO SEXUAL PROVA QUE MENOS PODE SER MAIS

É incrível (e muitas vezes esquecido) o poder de uma ótima atuação acompanhada de um ótimo roteiro. Produções grandiosas visualmente falando podem ser espetaculares também, diversos filmes desse ano não me deixam mentir, mas é muito bom assistir um filme como “Boa Sorte, Leo Grande” e ser lembrada de que uma boa história pode ser contada seguindo a máxima de que menos é mais e ainda ser extremamente interessante.

Um quarto de um hotel é o cenário de mais de 90% do filme estrelado por Emma Thompson e Daryl McCormack, que só contracenam entre si por quase todo o filme. Sem troca de cenários e interações com o exterior, o peso da responsabilidade de fazer essa história “dar certo” como um longa-metragem fica inteiramente na mão dos atores, da narrativa e da trilha sonora. É uma alegria poder dizer que tudo isso funciona e culmina para contar uma história sensível, mas com um humor ácido, clássico das comédias britânicas, libertadora e com questões reais e fáceis de se conectar, ainda que distante da maioria das realidades.

Leo Grande (Daryl McCormack) é um garoto de programa com seus 20 e poucos anos e um físico que chega bem perto (ou acerta em cheio) da perfeição. Se o nome “Leo Grande” pareceu um pouco sugestivo demais para ser coincidência, você está certo. O nome de Leo é um nome fantasioso, assim como toda sua figura e o que ele representa para seus clientes. Quando Leo é contratado pela professora aposentada Nancy Stokes, ele explica que não vende apenas seu tempo (ou seu corpo), ele vende sua empresa, seus serviços, uma fantasia e faz isso extremamente bem. Leo é gentil, simpático, sabe conversar, dançar e garante que o quer que você deseje não será julgado por ele.

Já Nancy é uma mulher mais experiente, perto de seus 60 anos, mas a experiência acaba na idade. É justamente a falta de experiências vividas, especialmente quando se trata de sexo, que a leva a contratar os serviços de Leo Grande. Recém-viúva, Nancy se casou com o único homem com quem teve relações sexuais – e seguiu tendo uma vida sexual insatisfatória, baseada no prazer de seu marido e nunca no dela, trabalhou a vida dando aulas de estudos religiosos para alunos desinteressados, teve dois filhos, um que ela considera entediante, por ser parecido demais com ela e uma que ela considera rebelde demais, por ser exatamente o oposto. Tudo isso levou Nancy a uma vida pacata, sem grandes eventos e emoções e solitária, principalmente depois de perder seu único companheiro.

O fato de Nancy contratar os serviços de Leo vai contra tudo que ela é e acredita – ou pelo menos acreditou durante toda sua vida. Em um de seus diálogos, Nancy conta a Leo que uma questão fixa em suas provas pedia a opinião dos alunos em relação à legalização da prostituição, sobre a qual ela sempre teve uma visão mais conservadora. Nancy nunca teve qualquer tipo de apego pelo seu prazer, em nenhum âmbito da sua vida, mas ela escolhe o prazer sexual para marcar o início do processo de se encontrar e se descobrir como mulher novamente. Assim que conhece Leo (e ainda se perguntando se contratá-lo tinha sido uma boa ideia), Nancy deixa bem claro que vê o sexo como uma transação comercial, em uma cena cheia de um humor sutil, ela explica que, sendo a mulher pragmática que é, fez uma lista de coisas que nunca tentou e que Leo deveria fazer com ela, só para dizer que fez: ela não tem nenhuma expectativa de sentir prazer. Ela nunca teve um orgasmo e Leo nem deve tentar fazer com que ela tenha. Ela só quer riscar os itens da sua lista e, já que faria isso, escolheu fazer com um homem jovem – não sem sentir culpa por isso.

Leo é mais misterioso que Nancy, e no começo é muito mais reservado quando se trata de sua vida fora das quatro paredes do quarto de hotel. É a relação que ele e Nancy constroem ao longo dos seus encontros que nos explicam mais sobre os dois e aprofundam esses personagens que acabam se tornando muito mais humanos do que pareciam. Um filme com esse tema, sexo, liberdade sexual, prostituição (ainda que aqui seja retratada de forma absolutamente parcial, privilegiada e romantizada) e etarismo, anda numa linha tênue, correndo o risco de se tornar vulgar a qualquer momento, o que é longe do objetivo nesse caso e “Boa Sorte, Leo Grande” consegue caminhar nessa linha com um equilíbrio admirável e raro de se encontrar. A química entre os atores transborda para os personagens e a atuação memorável de Emma Thompson, com uma cena específica que tem tudo para ser A cena mais marcante de sua carreira e talvez do cinema também, dá a esse longa intimista, suave e importante a relevância que ele merece.

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