SINOPSE

Nascido em Nairóbi (Quênia) em 1941, Dawkins era um biólogo ainda pouco conhecido quando publicou um livro que – mesmo sem ele saber – influenciaria o pensamento filosófico contemporâneo sobre quem somos e porque somos assim. Em seu trabalho “O Gene Egoísta”, Dawkins defende que somos programados para sobreviver a qualquer custo através dos nossos genes, como um robô que obedece fielmente a sua programação. Para ele, o que faz um gene prosperar em um ambiente extremamente competitivo como o que vivemos é seu egoísmo implacável. Em outras palavras, Dawkins sugere que ideais como generosidade e bondade devam ser ensinados, pois só assim poderíamos viver em sociedade, mas acredita que o ser humano só consegue garantir sua sobrevivência se pensar em si mesmo.

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Esse foi o pensamento que me ocorreu ao assistir o mais recente trabalho do diretor David Robert Mitchell, o terror “Corrente do Mal”, que foi sensação em Cannes e colecionou diversos elogios da crítica norte-americana. Alguns colegas mais empolgados chegaram a afirmar que “é impossível descrever a intensidade da assombração que o filme causa” ou que “é um filme que irá persegui-lo por semanas”. Talvez toda essa empolgação reflita mais a carência por filmes de terror que não apelem tanto para os clichês, do que propriamente ser uma obra de arte assustadora e inesquecível – algo semelhante ao que aconteceu há algum tempo com o australiano “The Babadook” – mas é inegável que o estilo e a execução das duas obras são um frescor para o gênero.

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Se você tivesse uma doença que o matasse aos poucos e a única forma de se livrar dela fosse passando o problema para outra pessoa, você faria ou morreria? Colocando mais próximo do assunto do filme, se você tivesse AIDS e a única forma de se curar fosse tendo relação sexual com outra pessoa, qualquer uma, um estranho ou conhecido, você o faria? Segundo o “gene egoísta” de Dawkins, lá do início do texto, já podemos imaginar o que a maioria pensa não é mesmo? Independente da sua resposta, talvez esta seja a pensata (princípio moral embutido) de Corrente do Mal. Logo no início temos uma cena intrigante, onde uma jovem corre (de salto!) assustada pela rua, apesar do local aparentar uma noite calma e tranqüila. Após fugir para uma praia isolada, a garota se desculpa pelo celular e se despede de seu pai, antes de aparecer brutalmente morta na tela. Depois disso, somos apresentados aos personagens principais, a bela (e o filme enfatiza sua beleza até nos diálogos) Jay (Maika Monroe), sua irmã Kelly (Lili Sepe) e seus amigos Paul (Keir Gilchrist) e Yara (Olivia Luccardi). Depois, um aliado entra para o grupo, o vizinho Greg (Daniel Zovatto).

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Após sair com seu novo namorado em uma noite bastante agradável, Jay e o rapaz fazem sexo no carro – que apesar de não ser uma idéia muito romântica, o diretor consegue criar uma atmosfera bem singela – mas o clima muda drasticamente quando o rapaz seqüestra Jay e a amarra em uma cadeira num local abandonado. Não irei contar mais, pois é ali que o terror começa a ser construído. De qualquer forma é uma boa seqüência de cenas, pois como ensina o “professor” Robert McKee, esta série de eventos contendo mudanças de valores (de um começo agradável para um final assustador) cria alterações significativas na vida dos personagens e a execução do roteirista e diretor foi perfeita. Jay sai de um momento de prazer e alegria para terminar com dor e aterrorizada, mas a mudança maior é que de uma garota normal e saudável, ao final da seqüência ela carrega uma maldição e agora não pode voltar atrás. Isso move o filme rumo a sua confrontação com o problema no segundo ato.

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Corrente do Mal é mais uma prova de que para colocar uma boa ideia em prática, um orçamento modesto pode ser mais que o suficiente. Com um elenco sem rostos conhecidos, o espectador fica sem saber o que esperar, tornando a trama menos previsível. Da primeira vez que assisti, fiquei tão entretido com a história que a trilha sonora me havia passado totalmente despercebida, mas ao rever o filme reparei como ela encaixa bem no filme e remete aos clássicos de terror dos anos 80, como o uso de sintetizadores, por exemplo. Outro aspecto que me ocorreu da segunda vez (embora eu ainda não tenha chegado a uma conclusão a respeito), é possível que haja uma “mistura” de épocas durante o filme, pois a primeira vítima utiliza um celular e um carro moderno, entretanto, enquanto vemos a história de Jay, as televisões são antigas e inclusive alguns carros também, embora a personagem Yara tenha uma espécie de leitor de “e-books”. Fica a dica para que vocês tentem decifrar…

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Entretanto, Corrente do Mal não é só elogios. Os esforços do diretor ficaram muito concentrados em contar a história e criar um universo claustrofóbico (a maldição atinge direta e indiretamente o menor número de pessoas possível, a mãe, por exemplo, nem desconfia que algo esteja acontecendo), deixando o desenvolvimento dos personagens um pouco de lado. Apesar de se tratar de um filme de sobrevivência, os personagens são muito reativos às situações, o que os torna sem personalidade, pois um personagem revela quem ele realmente é através de suas ações. Por isso é muito mais provável que o espectador simpatize, por exemplo, com Ash (de A Morte do Demônio) e não com Jay, pois a protagonista está sendo sempre vítima e lhe falta atitude. Um personagem sem arco dramático, que começa e termina da mesma forma é bem pouco atraente (e todos os principais deste filme são assim…). E o principal problema está na resolução, do segundo para o terceiro ato. O roteiro não consegue se sustentar até o clímax, e faz algumas escolhas no mínimo duvidosas. Alguns consideram que os 20 minutos finais de um filme são sua parte mais importante. É mais fácil alguém gostar de um filme que comece mais lento/tedioso e tenha um desfecho espetacular – como “O Nevoeiro” (2007) – do que um que comece com uma boa premissa e não consiga se sustentar até o final, como o que acontece com The Babadook e Corrente do Mal, na minha opinião.

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Mesmo assim, entre erros e acertos “Corrente do Mal” ainda merece ser visto, pois em um filme de terror estilo próprio é muito importante, e este tem de sobra. Embora não seja o trabalho de estreia do diretor, foi o primeiro a atingir notoriedade através do mundo, refletindo nos elogios recebidos em Cannes. Um bom trabalho ao construir a atmosfera, sustos na medida certa e um tema interessante de ser abordado. É uma pena ter caído de produção na sua resolução, pois poderia ter se tornado um grande candidato a clássico do gênero em um futuro próximo, mas certamente ajudou a iluminar o caminho para que próximas produções consigam chegar lá…

Trailer do Filme:

 

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