Perrengue Fashion
Director
Flavia Lacerda
Genre
Comédia
Cast
Ingrid Guimarães, Rafa Chalub, Filipe Bragança
Writer
Ingrid Guimarães, Marcelo Saback, Celio Porto, Edu Araújo
Company
Amazon MGM Studios e Morena Filmes
Runtime
94 minutos
Release date
09 de outubro de 2025
É cada vez mais absurdo o conceito de generalizar o cinema nacional. Todos os anos, principalmente nos últimos, são lançados filmes brasileiros dos mais variados gêneros e para os mais variados públicos. Nosso cinema está vivendo um momento incrível e todas as produções acabam se beneficiando desse sucesso, assim como o público, que tem cada vez mais opções de qualidade para escolher. Ainda assim, é impossível pensar em cinema nacional e não associá-lo com a comédia, a relação do espectador com a comédia é antiga, profunda e intrínseca, desde o teatro, até a televisão e o cinema; o povo brasileiro é um povo feliz, mesmo nos momentos em que não tem tantos motivos para o ser, e que sorte a nossa de ter uma cultura que reflete essa alegria inerente A comédia está no DNA do brasileiro e não é à toa que esse é o gênero que mais leva público aos cinemas, franquias como Minha Mãe É Uma Peça, De Pernas pro Ar, Se Eu Fosse Você arrastam multidões para o cinema e ajudam a solidificar nossa indústria.
Se a comédia é uma paixão do nosso povo, então por que ainda existe tanto preconceito?
Quando o trailer de Perrengue Fashion foi lançado nas redes sociais, e quando outros trechos foram lançados também, quase sempre apareciam comentários difamatórios, não só a respeito do filme (que ainda nem tinham assistido), mas sobre o cinema nacional como um todo, “é por isso que não gosto de filme brasileiro”, “que vergonha” e coisas do tipo. Há tantos preconceitos e inconsistências nesse tipo de “observação” que é difícil encontrar um foco. O cinema brasileiro é rico em muitos sentidos (ainda que não financeiramente), com artistas talentosos e um público grande o suficiente para todos eles. Ainda assim, a síndrome do vira-lata fala mais alto, principalmente na hora de comparar o cinema brasileiro com o estrangeiro, sobretudo o Hollywoodiano. Nosso cinema jamais será Hollywood, simplesmente porque somos outro país, com outros costumes, outra cultura e, inevitavelmente, outra situação financeira. Todos os anos Hollywood estreia filmes com orçamentos exorbitantes e que são fracasso de crítica, mas ainda assim não leva o estigma de ser ruim, ou de não valer a pena, como acontece com o cinema brasileiro.
É claro que o nosso cinema não é feito apenas de obras-primas – assim como Hollywood. Em comparação a outras indústrias, ainda estamos apenas “começando”, ainda buscando uma identidade para chamar de nossa, mas se tem um gênero que chega mais perto de nos representar, certamente é a comédia. Essa tendência de rechaçar tudo aquilo que é intrinsecamente nosso só nos faz perder, como povo, como cultura, como cinema. O prejuízo é ainda maior quando se trata de filmes como o mais novo lançamento da Paris Filmes, Perrengue Fashion. Nascido de uma ideia de Ingrid Guimarães, com direção de Flavia Lacerda (que recentemente co-dirigiu a sequência de O Auto da Compadecida, sucesso de bilheteria) e roteiro de três jovens engajados, o filme une o que o atual cenário humorístico tem de melhor a oferecer. Ingrid Guimarães é um dos maiores nomes da comédia, posto que dividia com o saudoso Paulo Gustavo; durante a coletiva de imprensa do filme, a própria atriz compartilhou que, após o falecimento de Paulo Gustavo, a irmã dele falou que agora a responsabilidade de continuar levando o público brasileiro aos cinemas era responsabilidade de Ingrid – pode ser uma brincadeira como amigas, mas a atriz tem atendido à expectativa mesmo assim. Seu último filme, Minha Irmã e Eu, foi o primeiro filme brasileiro a levar mais de 2 milhões de pessoas ao cinema depois da pandemia.
Minha Irmã e Eu, inclusive, tem semelhanças com Perrengue Fashion, além de ser uma ideia de Ingrid Guimarães. Ambos conseguem ser uma comédia engraçada, sem apelação e com uma mensagem verdadeiramente sensível como pano de fundo – e ambos fazem isso extremamente bem.
Tem algo muito especial e louvável em obras com o poder de se comunicar – e mais do que isso, se conectar – com o público, falando sua língua, espelhando seus hábitos e costumes. Em Perrengue Fashion, isso acontece em diversos âmbitos e em várias camadas, a começar por Paula Pratta (Ingrid Guimarães), uma mulher que está no auge de seus 50 anos e é cheia de sonhos e ambições profissionais. Ela é uma influencer de moda, mas teve uma origem humilde e não tem medo, e muito menos preguiça, de trabalhar. Ao seu lado tem Taylor (Rafa Chalub), seu melhor amigo e melhor funcionário, não que ele tivesse concorrência, já que, sozinho, ele cuida de toda a presença digital de Paula. Embora o mundo da moda pareça maravilhoso nas redes sociais (e talvez realmente seja, pra galera com dezenas de milhões de seguidores), a realidade para quem ainda está tentando conquistar seu espaço é muito mais difícil. A parte do “perrengue” que o título sugere é bem fácil de identificar, e ainda mais fácil de rir junto.
A melhor parte do humor de Perrengue Fashion é que ele não subestima seu público, nem recorre a subterfúgios mais óbvios, provando que é possível provocar risadas com um roteiro polido e personagens tridimensionais. Apesar dos sufocos existirem desde sempre, eles se intensificam quando Paula tem a grande chance da sua vida: representar uma marca de luxo numa campanha. É a oportunidade dos sonhos, mas é uma campanha de mães e filhos e, para participar, ela tem que convencer seu filho Cadu (Filipe Bragança) a tirar uma pausa de sua faculdade de Business nos EUA e voltar para o Brasil para fotografar com ela. Poderia ser algo fácil, mas Paula descobre que Cadu não está nos EUA estudando e sim vivendo numa ecovila sustentável no meio da Floresta Amazônica, então ela vai atrás dele, com Taylor. A dupla é a personificação da vida urbana e, de repente, se vê obrigada a encarar um estilo de vida completamente oposto.
O contraste entre Sul e Norte do país é retratado com leveza e bom-humor, Paula e Taylor são completamente alienados e, basicamente, sem-noção, mas têm o coração no lugar certo: a receita perfeita para uma boa comédia. Por outro lado, temos Cadu, extremamente consciente do lugar que ocupa no mundo e de seu propósito de vida. Ele quer salvar o mundo e largou tudo nos EUA para seguir sua vocação na Amazônia – sem a mãe saber. A dinâmica da relação mãe e filho é o que traz a sensibilidade ao filme, além de retratar também o choque geracional, outra camada interessante dessa história. Cadu é mais consciente, mais engajado com as causas ecossociais, mais altruísta. Paula ainda busca o sucesso profissional, os sonhos pessoais que teve que deixar em 2º plano para priorizar a criação do filho que ela tanto ama. Às vezes eles não parecem falar a mesma língua e esse desencontro, obviamente, causa atritos, mas o roteiro é inteligente ao tratar ambos personagens como pessoas completas, sem desacreditar ou desvalorizar suas vontades e suas crenças. É uma delícia assistir a um filme que constroi uma narrativa que não determina um lado como certo e o outro como errado, e sim nos apresenta elementos suficientes para que a gente compreenda todos os envolvidos.
Outro ponto forte de Perrengue Fashion é a relação entre Paula e Taylor, o núcleo mais cômico e responsável pelas maiores gargalhadas. Taylor representa a figura mais atual do jovem descolado e cronicamente online. Ele também é uma figura carimbada da comédia brasileira: o melhor amigo gay. A grande diferença, no entanto, é que aqui esse personagem é acompanhado de um roteiro socialmente consciente e um ator capaz de tirar o personagem do estereótipo e fazer com que ele se torne o contador das piadas e não o motivo delas – quando ele é motivo de piada, é porque foi ele mesmo quem a fez, e qualquer um que seja da comunidade LGBTQIA+ pode entender e rir junto. Para quem já acompanha a carreira de Rafa Chalub (que os menos conectados podem conhecer como Esse Menino, aquele do vídeo da Pfizer na época da pandemia) vai encontrar paralelos entre ele e Taylor, mas isso não diminui em nada o êxito de Rafa no seu primeiro papel para os cinemas. Ele é capaz de manter seu humor característico, mas o adequa à realidade fictícia com naturalidade e graça; também ajuda que sua química com Ingrid Guimarães seja tão escancarada – os dois convencem como amigos, na verdade como melhores amigos, daquele tipo que não pensa duas vezes antes de apontar seus erros, mas quer sempre o seu melhor.
O cenário da Floresta Amazônica, retratado por uma fotografia primorosa de Paulo Vainer que adiciona ainda mais à qualidade do filme, garantindo um visual belíssimo que justifica a escolha da Amazon de colocar Perrengue Fashion nos cinemas e não diretamente no streaming como originalmente previsto. Com um elenco estelar, um roteiro atual e dinâmico, discussões relevantes, um toque de emoção e muito humor, esse é mais um acerto de Ingrid Guimarães e uma ótima adição ao cardápio já variado do nosso cinema brasileiro. Fica a torcida para que essa produção, nitidamente feita com esmero, possa ver sua entrega refletida nas bilheterias.
Por Júlia Rezende