7.9/10

O Agente Secreto

Director

Kleber Mendonça Filho

Genre

Comédia , Drama

Cast

Wagner Moura, Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone

Writer

Kleber Mendonça Filho

Company

Vitrine Filmes

Runtime

158 minutos

Release date

06 de novembro de 2025

Brasil, 1977. Fugindo de um passado misterioso, Marcelo, um especialista em tecnologia, na casa dos quarenta, volta ao Recife em busca de um pouco de paz, mas percebe que a cidade está longe de ser o refúgio que procura.

O cinema brasileiro vive um momento que seria impossível de se imaginar alguns poucos anos atrás. Impulsionado pela campanha de sucesso de Ainda Estou Aqui no ano passado, que acabou resultando no primeiro Oscar 100% brasileiro, o cinema nacional tem lançado grandes filmes, chamando atenção também do público estrangeiro. Para criar um fenômeno como o Ainda Estou Aqui, no entanto, é necessário uma combinação de diversos fatores, os principais sendo: um bom filme, uma boa atuação para dar um rosto para a campanha e identificação. Para nossa sorte, “O Agente Secreto” reúne tudo isso e muito mais, embrulhado numa temática extremamente brasileira, mesmo quando conta uma história universal. Ao sair de uma sala de cinema lotada com 500 pessoas (muito empolgadas) durante a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a primeira coisa a chamar atenção foi o fato de que Kleber Mendonça Filho escreveu um filme impossível de se descrever, ou encaixar em um gênero ou outro pré-definido, talvez o que mais se aproxime seja o de “suspense de espionagem”, mas isso não falaria nem um quarto do filme que também é comédia, drama, ação e um bocado mais (até ficção-científica está envolvida). Esse tipo de viagem entre diferentes gêneros só pode funcionar se tiver uma mão firme e consciente a guiando, como é o caso de Kleber Mendonça Filho.

É difícil (e desnecessário) não ver os paralelos entre O Agente Secreto e o último documentário de Kleber Mendonça Filho, Retratos Fantasmas. Ambas produções têm suas raízes na memória, no passado como agente de construção do presente e, consequentemente, do futuro. Não há melhor assunto para falar da memória coletiva de um povo (e do perigo de esquecê-la) do que os anos de ditadura. É nesse contexto em que “O Agente Secreto” é ambientado: Recife no ano de 1977. A escolha por retratar a ditadura no nordeste também destaca a importância de se ter diretores fora do eixo Rio-São Paulo produzindo cultura; é raro ver esse período da história sendo contado fora da perspectiva sudestina. Esse movimento, inclusive, fez com que “O Agente Secreto” estreasse primeiro em Recife, acompanhado logo depois de outras cidades do nordeste, invertendo a “lógica” padrão de lançar um filme primeiro no Sudeste, para depois (talvez) expandir para o restante do Brasil. O filme coloca Recife no centro dessa história e faz isso com muita consciência e beleza, dos cenários e locações até os sotaques. A cena de abertura, que poderia ser até um curta-metragem independente, é espetacular: durante o carnaval no Recife, um homem acaba morto num posto de gasolina e, dias depois, o corpo continua lá. Marcelo/Armando, personagem de Wagner Moura, aparece aí pela primeira vez, chegando na cidade com seu fusca para abastecer. Policiais aparecem para verificar os documentos de Armando, enquanto também ignoram o corpo no chão, coberto apenas por folhas de jornal. É uma cena potente, metafórica e que nos dá uma ideia do que o filme viria a ser, mas apenas uma parcela mínima dele, já que tantas outras vertentes serão exploradas.

Enquanto “Ainda Estou Aqui” é um filme mais acessível, com uma estrutura narrativa mais tradicionalmente organizada, “O Agente Secreto” tem uma questão com seu ritmo que faz com que a história deixe de prender tanto a atenção na primeira metade. Durante a primeira hora do filme (que dura quase 3), é difícil entender do que se trata o filme, com o personagem de Wagner Moura chegando no prédio onde vai morar agora que está se escondendo, com outras pessoas que estão na mesma situação. São personagens interessantes, mas justamente por serem assim, fica uma estranheza quando eles, de repente, deixam de ser mencionados na trama. O grande destaque dessa subtrama é a anfitriã Dona Sebastiana, brilhantemente interpretada por Tânia Maria, com uma naturalidade e irreverência difíceis de se encontrar. Há também uma menção a um breve romance de Armando com outra moradora e outras histórias que exemplificam o momento político que o Brasil se encontrava naquele momento, mas há um grande enfoque nessas situações “comuns”, o que faz com que o filme seja um pouco mais lento.

Uma vez que o filme engata sua trama, no entanto, é difícil desviar o olhar. Além do visual impressionante, colorido e uma direção determinada, a forma como Kleber Mendonça Filho aborda o período da ditadura militar, ou esse período cheio de “pirraça”, como ele mesmo coloca, é um dos seus maiores trunfos no filme. Não é um filme especificamente sobre luta e resistência, não diretamente, mas mostra como a ditadura afetou qualquer um que ousasse levantar um dedo (ou uma palavra) contra o regime. Durante todo o filme, o embate claro e evidente de ideologias aparece apenas uma vez, com a sensacional Alice Carvalho vivendo Fátima, a esposa corajosa e contundente de Armando. É uma cena que dura alguns minutos, mas permanece e reverbera durante todo o filme – e depois dele também. “O Agente Secreto” trabalha muito bem a ficção em cima da história e dos fatos, fazendo uso da memória não só como elemento narrativo, mas como fio condutor de tudo aquilo que acontece e virá a acontecer. 

“O Agente Secreto” é o tipo de filme que se encaixa na seleta categoria de “experiência cinematográfica”, que inclusive vale ser assistido na maior tela que você encontrar e que lhe trará uma experiência ainda melhor quanto maior amante da cultura brasileira você for. Filmes como esse são uma vitória do cinema brasileiro e merecem toda a celebração que vierem a receber. Saber que “O Agente Secreto” estreou no topo da bilheteria nacional, levando mais de 300 mil espectadores aos cinemas na primeira semana, um filme nordestino, com sotaque, sobre ditadura, com quase 3h de duração, e acima de tudo brasileiro – vale muito mais que qualquer prêmio internacional tem a oferecer.

 

Por Júlia Rezende

9

Mission Accomplished

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