BATEM À PORTA | SHYAMALAN FAZ O QUE FAZ DE MELHOR, MAS ENREDO DE CUNHO RELIGIOSO E CONTROVERSO DISTRAI DE SEU POTENCIAL

O nome M. Night Shyamalan se tornou sinônimo de suspense e plot twists – mas não unanimemente de qualidade – por conta de seus trabalhos ao longo dos anos. Habitualmente responsável pela criação de todos seus roteiros, dessa vez Shyamalan adapta o livro “O Chale no Fim do Mundo”, juntamente com Steve Desmond e Michael Sherman, para contar a história da família de Eric (Jonathan Groff), seu marido Andrew (Bem Aldridge) e sua filha Wen (Kristen Cui), que tem sua vida transformada para sempre depois da visita de quatro estranhos a um chalé que eles alugaram.

“Batem à Porta” tem uma ambientação típica do gênero de terror: um chalé isolado, cercado apenas pela natureza. Quando Leonard (Dave Bautista), um homem incomumente grande, se aproxima da pequena Wen que brincava com gafanhotos (uma chamada para uma relação com as pragas bíblicas que voltariam mais tarde na narrativa) na frente da casa e começa a lhe fazer perguntas pessoais para “conhece-la melhor” e, depois, invade sua casa com outras 3 pessoas (eles tentaram bater na porta primeiro, é verdade), o gênero do terror se faz presente mais intensamente. Contudo, essa não é uma típica história de invasão domiciliar. Após amarrar Eric e Andrew, mas sem machucá-los, já que algum tipo de regra seguida por eles não permite essa violência, Leonard explica que ele é apenas um professor da rede pública e apresenta seus três “amigos”, Sabrina (Nikki Amuka-Bird), Redmond (Rupert Grint) e Ardiane (Abby Quinn), para explicar que estão ali porque tiveram visões que não sabem explicar – chame de intervenção divina ou alguma coisa do tipo – sobre tragédias catastróficas em nível global e que foram levados até aquele chalé específico para que pudessem parar o fim do mundo. Mas o que essa família tem a ver com isso?

Explicada a escala a que os problemas pertencem, mas sem grandes explicações dos motivos por trás deles, Leonard faz mais uma revelação: a família fora escolhida para tomar uma decisão que pode ou não salvar o mundo. Eles têm que decidir se deixam o apocalipse chegar para todos, menos para os três membros da família ou sacrificar um deles e parar o apocalipse por completo. Não é uma equação exatamente complicada de se resolver, afinal de contas só em uma das opções a criança realmente tem a chance de ter um futuro e um pai dificilmente se recusaria a dar sua própria vida para que isso possa acontecer. Para quem está familiarizado com o conceito do utilitarismo, sabe que também não é uma ideia tão original. A tensão que permeia a trama, no entanto, foca em outro fator levar a história adiante, não a decisão em si, mas o porquê de ela ter de ser tomada.

Shyamalan ficou famoso por seus plot twists e quando chegamos no cinema para assistir a um novo filme seu, já esperamos que alguma reviravolta aconteça e mude o rumo da história. Aqui, talvez por a história não ter sido concebida pelo próprio diretor, esse não é o caso. O principal papel de Shyamalan nesse filme é um que ele sempre exerce com pelo menos o mínimo de maestria e que acaba salvando esse enredo pra lá de simples: dirigir. Tendo como único cenário o chalé (salvo alguns flashbacks) e nenhuma “carta na manga” em relação ao roteiro, é o talento do diretor com a câmera que consegue transformar as 1h40 de filme em entretenimento. Com uso perspicaz de zooms, closes e diversos movimentos de câmera e planos inteligentes que intensificam a sensação de claustrofobia causada pelo chalé pequeno e os personagens aprisionados pela magnitude da importância de suas decisões, a tensão se faz presente e avança a narrativa do começo ao fim. Infelizmente, a direção de Shyamalan e a qualidade do elenco, com destaque para Dave Bautista e a jovem Kristen Cui, são os únicos aspectos positivos que merecem ênfase.

Desde o princípio estabelece-se a relação da história do chalé com a religião e com a bíblia, o que já causa um estranhamento considerando que o casal protagonista está numa relação homoafetiva, conhecidamente vista de forma negativa pelo cristianismo. Os próprios personagens levantam essa questão num primeiro momento, dizendo que os quatro invasores os escolheram porque eram homofóbicos e preconceituosos e que aquilo se tratava de um crime de ódio, mas os invasores em questão são rápidos e enfáticos ao garantir que de nada importa a sexualidade nesse caso, indo tão longe a ponto de afirmar que eles teriam sido escolhidos porque seu amor era tão puro. Em momento algum fica a impressão de que existe de fato qualquer atitude intencionalmente homofóbica tanto na história quanto na criação dela, mas um dos personagens gays (e eles são os únicos gays mostrados durante todo o filme) ainda terá que morrer – sacrificar seu amor tão puro – para que toda a humanidade possa ficar bem. Talvez, se não fosse pela quantidade absurda de histórias trágicas envolvendo personagens gays em Hollywood, em que pelo menos um deles tem o costume de acabar morto, “Batem à Porta” não incomodasse tanto. Essas histórias existem, no entanto, e esse enredo simplesmente não cai bem.

Ao mesmo tempo em que eles afirmam que a sexualidade nesse caso foi apenas uma coincidência e não um motivo para nada, todos os flashbacks (que inclusive prejudicam a narrativa, interrompendo o ritmo acelerado do que se passa no chalé para cenas monótonas) são homofobia, seja pela própria família, pela agência de adoção, por um estranho no bar, só  o que sabemos de Eric e Andrew é que eles foram rejeitados por serem gays e esse é o único aspecto de sua sexualidade no filme inteiro; não tem uma cena de beijo, de um abraço mais terno ou de uma afetividade que seria, sem dúvidas, mostrada caso fosse um casal hétero. Ou seja, eles passaram uma vida de rejeição pela sociedade e agora devem decidir interromper sua história de amor para salvar essa mesma sociedade. Novamente, talvez se personagens gays não fossem tão frequentemente sacrificados na mídia num geral, esse filme poderia ser poupado dessa crítica, mas como não é esse o caso, só me restou a dúvida de por que esses homens heterossexuais (tanto o autor do livro que originou o filme quanto o diretor) decidiram contar essa história com tantas conotações controversas.

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