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“A vida imita a arte”. É comum esta frase aparecer em atitudes ou reflexões humanas retiradas através de grandes obras. Seja através de falas ou reflexões, retirar as coisas da arte é um modo de seguir a vida e tomar certas decisões, além de servir como uma forma de olhar o mundo. No entanto, quando o contrário acontece, temos representações duras, porém magníficas sobre nosso mundo e sobre nossa humanidade.

Caso observarmos bem, o cinema nada mais é do que uma representação artística da nossa realidade, e o melhor, muitas vezes é uma representação reflexiva sobre atitudes e ideologias, como foi o caso de Infiltrado na Klan (2018), por exemplo. Obras como essas se destacam pela sua força em trazer algo bruto e que faz o espectador sair transformado, o cinema tem esse poder e Khaled Mouzanar e Nadine Labaki entenderam esse poder e construíram o roteiro primoroso de Cafarnaum.

Por mais que o longa trate de uma realidade distante da minha e da sua, é fácil se identificar com Zain, que, aos 12 anos, mora em um cortiço com seus pais e seus vários e irmãos e luta pela justiça na qual acredita. Nesse ponto, observamos todo o sofrimento em volta da criança e torcemos para que tudo se resolva.

Dentro disso, a narrativa de Nadine nos conquista com a montagem, já que o início do filme nos apresenta motivos para entender a jornada do personagem e, aos poucos, com alternâncias entre sua trajetória de vida e o tribunal, trazem ainda mais justificativas para aquela história ser tão grandiosa.

E muito se deve ao protagonismo de Zain Alrafeea, que possui um controle de atuação impressionante pela idade que tem. Seus gestos são fortes e seu profissionalismo o faz ser capaz de administrar cenas de longos planos com grandes diálogos, além de conseguir conduzir momentos emocionantes de sua história.

Chega a ser surpreendente enxergar em tela os desafios ultrapassados pelo personagem e como a atuação de Zain passa a credibilidade de seu amadurecimento. Apesar da idade, Zain possui atitude e ideologias além dos 12 anos, porém, sua personalidade adulta não é presente todo o tempo e Nadine mantém seu lado infantil para momentos oportunos e brilhantemente escolhidos, como é o caso do diálogo entre Zain e um senhor vestido com um uniforme falso do Homem-Aranha. A sutileza e beleza dessa cena só comprova ainda mais o brilhantismo de texto e direção de Nadine.

Inclusive, sua câmera em constante movimento provoca o sentimento no espectador de que tudo aquilo assistido é bagunçado e errado, dando certas vezes um ar de documentário, como se aquela realidade estivesse sendo gravada em tempo real, o que, em partes, não está errado.

A difícil jornada do personagem, que enfrenta não só complicações com os pais, mas também com o mundo no qual vive, relembra outras jornadas extraordinárias de crianças, como em Lion: Uma Jornada Para Casa (2016), Quem Quer Ser Um Milionário? (2008) e até resquícios de Cidade de Deus (2002).

Porém, Cafarnaum traz um jornada um pouco além, por trazer assuntos fortes devido ao ambiente e a cultura apresentada, como o casamento infantil e refugiados. Nadine não toca em pontos políticos, e nem precisa. O longa é uma voz àqueles que não a possuem. É um retrato de uma realidade que não conhecemos, que está distante de nós – nós usuários e não país. Temos acesso a realidade política tanto nossa quanto de outros países e nessa trajetória, não precisamos de contextualização porque já a temos.

O plano de Nadine é apresentar histórias de vida desconhecidas, para entendermos o que pessoas além da nossa cama confortável passam devido a dificuldades, vindas de política, ideologias e culturas.

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A cineasta libanesa constrói isso de forma indireta e procura sempre provocar o espectador, para ele entender sobre aquelas vidas. Com isso, ela consegue, justificadamente, elevar o personagem de Zain, principalmente em momentos de interação com outros personagens.

Ao conhecer a personagem de Yordanos Shifera – que tem Cafarnaum como seu primeiro longa na carreira – a criança cresce magistralmente como personagem. Neste momento, sua jornada não só cresce, em especial nas cenas com o bebê Boluwatife Treasure Bankole, como também traz mais discussões sobre refúgio e as dificuldades de imigração.

A própria participação da diretora como mãe de Zain encanta aos olhos. A força que Nadine tem como atriz é lindamente transmitida à personagem, que exige um discurso e atitudes poderosas para justificar sua realidade naquele mundo. São julgáveis suas atitudes, porém, há um exato momento em que ela coloca isso em discussão, o que impede o espectador de continuar só criticando, fazendo-o parar e pensar o porquê de tudo aquilo acontecer.

Novamente, a diretora não precisa nos atualizar politicamente e mostrar de quem é a verdadeira culpa. Jornais estão aí e nós temos o direito e capacidade de assisti-los, enquanto muitos dos personagens não possuem nenhum dos dois. Isso só reforça ainda mais a falta da necessidade da cineasta realizar essa contextualização.

Nem os personagens ali presentes sabem os motivos que levam a eles terem essa vida, e não querem saber. Até porque a maior preocupação deles é continuar sobrevivendo, ao invés de viver.

Do ponto de vista infantil, essa mensagem e a reflexão sobre nosso atual mundo é ainda mais forte. Especialmente quando Nadine explora as feições e reações do bebê Boluwatife, que serve como um símbolo de esperança à história, apesar da realidade mostrar totalmente o contrário.

O amadurecimento de Zain só é reforçado com a interação com a criança, que foi esplendidamente capturada pela libanesa. O reforço também parte para a reflexão do espectador, principalmente sobre a vida e atitudes com os outros que possui bem menos direitos do que nós.

Durante ano político isso é sempre muito discutido calorosamente. A disputa para ver se outros merecem direitos ou não, se é privilégio ou não e por aí vai. Filmes como Cafarnaum nos mostram que o simples fato de termos água encanada já nos faz pessoas privilegiadas.

Eu, por estar escrevendo essa crítica e ter internet para postar e você para ler, já nos fazem pessoas altamente privilegiadas. E vermos o oposto com uma criança é ainda mais doloroso. Saber que muitas pessoas tem de fazer coisas na vida que elas não querem é o que mais dói – e isso vai além de um curso de faculdade ou um trabalho. Nesses momentos, a inocência é mais fraca e a necessidade de viver é maior do que qualquer outra coisa. Cafarnaum nos faz pensar antes de falar que as pessoas escolhem suas vidas.

Há momentos em que elas são obrigadas a fazer o que elas fazem por necessidade ou porque foram ensinadas assim. É fácil falar quando você teve opção, mas é preciso olhar com atenção para aqueles que não tiveram antes de sair metralhando a ideologia terceira.

É esperado que a jornada de Zain sirva de reflexão para muitos que não acreditam que o cenário reflete em nossas vivências e escolhas diante de uma visão negativa trazida por Nadine, mas que é a dura realidade de milhares de idosos, adultos e crianças são só do Líbano, mas também do resto do mundo.

Que Cafarnaum encante e emocione como outras obras encantaram e emocionaram e que te faça ir atrás de um mundo onde a última cena do longa seja a verdadeira realidade das crianças do mundo.

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