Amores Materialistas
Director
Celine Song
Cast
Dakota Johnson, Pedro Pascal, Chris Evans
Writer
Celine Song
Company
A24
Runtime
116 minutos
Release date
31 de julho de 2025
Apesar de ter sido divulgado como uma comédia romântica, “Amores Materialistas” está bem longe disso, o começo e o final podem até se encaixar no gênero, mas o restante não chega perto. Isso não é uma reclamação, apenas um detalhe – um, inclusive, que mostra a versatilidade de Celine Song, tanto para roteiro quanto para direção. Se existe um lado ruim em fazer um sucesso estrondoso com seu primeiro filme, são as expectativas que isso cria para o seu segundo. Eu mesmo estava contando os segundos para assistir “Amores Materialistas” simplesmente porque gostei tanto de Vidas Passadas que se tornou um dos meus filmes preferidos e, consequentemente, colocou Celine Song no meu radar; o elenco também ajuda, conseguir colocar Chris Evans, Dakota Johnson e o homem do momento, Pedro Pascal, para fazerem um triângulo amoroso é uma jogada impressionante – e genial. Quem for ao cinema esperando algo como Vidas Passadas, no entanto, será surpreendido. Ainda que haja a assinatura de Celine Song nos diálogos, nas montagens, “Amores Materialistas” não poderia ter tomado uma direção mais oposta, em todos os sentidos. Mas deixemos “Vidas Passadas” no passado.
“Amores Materialistas” pega alguns fundamentos das comédias românticas: Lucy (Dakota Johnson) conhece Harry (Pedro Pascal) num casamento, seu ex-namorado John (Chris Evans) aparece, um clima tenso se instala e um triângulo amoroso clássico é formado. Lucy é uma solteira convicta, focada no trabalho e sem tempo para mais nada, assim como tantas protagonistas de romance. Mas esse é um filme de Celine Song e nada é tão óbvio, ou tão superficial, quanto pode aparentar ser e, aqui, relacionamentos não se resumem a amor, e sim à matemática. Lucy é uma casamenteira profissional, trabalha na Adore, uma empresa que faz um papel de Tinder mais aprofundado e Lucy funciona como seu algoritmo, recolhendo dados e informações de cada cliente para encontrar um match perfeito e ela é muito boa no que faz, tanto que começa o filme comemorando o 9º casamento fruto de seu trabalho. Quando a noiva ameaça pular fora, é o discurso de Lucy que a convence, mas não pelos meios convencionais. Ao ser questionada do porquê de querer se casar com seu noivo em primeiro lugar, a resposta não é amor e sim “porque eu sinto que ganhei”, já que a irmã da noiva tinha inveja de seu marido e a conclusão de Lucy segue pelo mesmo caminho: você quer casar com ele porque ele dá te valor.
Lucy vê todo relacionamento como uma transação de negócios. Sua mente funciona de forma prática e funcional, da mesma forma que junta seus clientes com potenciais pretendes, cada pessoa tem seus requisitos, seus atributos, sejam eles físicos, políticos ou financeiros, e a partir daí você vai encontrando cada par, amor simplesmente não faz parte da equação. Isso até seu ex voltar em cena, é claro. É nítido o impacto da presença de John até mesmo na postura e atitude de Lucy e é evidente que eles são um casal apaixonado, mas no mundo materialista de Lucy não há espaço para alguém tão sem dinheiro e sem perspectiva, John tem quase 40 anos, mas ainda dirige o mesmo carro acabado de quando namoraram, mora no mesmo apartamento acabado que divide com 2 colegas e faz bicos como garçom enquanto tenta construir uma carreira como ator de teatro. Um dia eles já deram certo, mas como vemos num flashback, as constantes brigas e discussões sobre (a falta de) dinheiro fizeram Lucy se afastar. Como se as divergências financeiras não fossem o suficiente, ela conhece Harry, um homem rico, trabalha com finanças, é elegante, charmoso (é o Pedro Pascal, afinal de contas), gentil… Preenche todos os requisitos de, bom, praticamente qualquer mulher – e ainda se interessa por Lucy.
É aí (logo no começo mesmo) que Celine Song deixa a comédia romântica de lado. A indecisão de Lucy sobre qual dos dois ela vai escolher não passa por questões românticas – é óbvio quem ela ama, Lucy sabe, nós sabemos e seus pretendentes também, mas a verdadeira dúvida vem do tipo de vida que Lucy levaria com cada um e até que ponto os Beatles estavam certos e só o que a gente precisa é, realmente, amor. Numa sociedade capitalista ao extremo como a nossa, tão propensa ao consumismo (e só piora), qual o papel do amor numa relação? Aqui a maestria de Celine Song se mostra mais uma vez, porque geralmente a resposta certa para “casar por amor ou por dinheiro?” é óbvia, mas aqui a diretora consegue apresentar argumentos favoráveis, e realistas, para ambas as opções. Lucy cresceu numa casa em que dinheiro era motivo de discussão, não por excesso, mas por falta, e viveu em seu relacionamento com John o desgaste de um relacionamento limitado também por essa ausência. Ela gosta de viver bem e quer alcançar determinados lugares da sociedade – e John certamente não é o caminho para isso, mas Harry é. Ele representa paz, tranquilidade e, acima de tudo, segurança. E, de repente, a escolha entre amor e dinheiro não é tão simples assim, principalmente para alguém como Lucy.
Essa sociedade de consumo e situação desesperadora do “mercado de relacionamento” moderno é retratada a partir dos depoimentos dos clientes de Lucy a procura do “match perfeito” e o resultado é comicamente trágico. Faz sentido chamar de “mercado” porque é exatamente assim que todos os envolvidos se comportam. Tudo (e todos) tem seu valor, cada relação é uma transação e tudo é negociável – raça, peso, salário, altura. O que vai conseguir está diretamente relacionado ao que você tem a oferecer e se você não tem nada especial para oferecer, qual é o seu valor? Essas questões são amplificadas com a subtrama de Sophie (Zoe Winters), uma cliente de Lucy que já tentou dezenas de pretendentes sem sucesso e vai ficando de lado no Mercado. A situação com Sophie toma uma direção drástica e acaba servindo como despertador para Lucy em relação à sua própria perspectiva de vida.
O filme como um todo é um estudo cético e realista do que significa estar num relacionamento na conjuntura atual, intercalado com cenas que vão de encontro com essa realidade e exploram um lado mais sensível, emocional e humano dos personagens. No entanto, nem sempre Celine Song encontra um equilíbrio entre essas abordagens e a narrativa fica um tanto descompassada. Enquanto eu achei os primeiros atos consistentes e bem construídos, o final me pareceu otimista demais se comparado a tudo que levou até ele, como se o próprio filme não tivesse se convencido de tudo que mostrara até ali – o que não significa que o filme não tem o seu valor. No final, o saldo é positivo, com atuações sólidas e complementares, uma fotografia inspirada e um filme autêntico e surpreendemente esperançoso.
Por Júlia Rezende