Depois da Caçada
Director
Luca Guadagnino
Genre
Drama
Cast
Julia Roberts, Ayo Edebiri, Andrew Garfield
Writer
Nora Garrett
Company
Sony Pictures
Runtime
138 minutos
Release date
09 de outubro de 2025
Não é nenhuma surpresa que “Depois da Caçada” seja um filme divisivo. Sua própria temática é controversa e aberta a discussões, muitas vezes situada numa área cinzenta em que eventos não podem ser classificados, com certeza, como fatos. O novo filme de Lucas Guadagnino, que estreou no Brasil durante o Festival do Rio, traz a polêmica como seu braço direito ao nos apresentar uma história de narradores nada confiáveis e diversas camadas e dinâmicas de poder. O trio protagonista é composto de alguns dos melhores atores à disposição em Hollywood, mas seus personagens são o completo oposto no que diz respeito ao carisma. “Depois da Caçada” não tem personagens “gostáveis”, o que significa que você, dificilmente, torcerá por alguém, mas ao mesmo tempo nos coloca numa posição neutra em relação à narrativa, algo positivo para poder ter algum tipo de objetividade nessa história de diferentes versões.
Muitos têm chamado “Depois da Caçada” de filme “MeToo”, em referência ao movimento que começou em Hollywood e expôs homens que se aproveitavam de sua posição de poder/status para assediar mulheres e saírem impunes. Outros, disseram que se trata de um filme sobre a “cultura do cancelamento”. Ambas descrições são incrivelmente redutivas, e indicam uma superficialidade que não condiz com as discussões apresentadas no filme, que faz muito mais uma dissecação de uma situação do que tenta a definir como uma coisa ou outra. É possível que grande parte da insatisfação em relação a ele seja o fato de que a visão da direção aparenta ser incrivelmente neutra, como se o próprio Lucas Guadagnino não soubesse quem está dizendo a verdade, se é que há uma. Essa visão distante no que diz respeito ao contar da história é oposta pela câmera, que nos momentos mais tensos se aproximam dos personagens até que o espectador possa encará-los nos olhos – e nem assim definir, sem dúvidas, se as palavras que saem de suas bocas devem ser levadas em consideração.
Palavras, inclusive, é o que não conta. No centro do nosso acontecimento central temos dois professores e uma aluna e um psicólogo e, com isso, os diálogos são quase sempre rápidos e verborrágicos; para piorar, os professores e a aluna são de uma universidade americana de elite, e do curso de Filosofia, então soam como as pessoas mais pretensiosas que você pode imaginar – dependendo do nível de irritação que isso lhe causar, também pode ser um ponto negativo, mas o filme não parece querer insinuar que eles possam ser qualquer coisa além do que estamos vendo (e ouvindo), o que se encaixa bem dentro da proposta da narrativa. Desde a primeira cena (com uma trilha sonora tão pretensiosa quanto os personagens), é fácil compreender que as relações mostradas são capazes de se desenvolverem de diferentes formas. Num jantar, vemos a anfitriã Alma (Julia Roberts), uma mulher branca, de classe alta (ou pelo menos média alta), casada e professora de filosofia, tentando se tornar titular na Universidade. Ela está dando um jantar com diversos convidados, mas dois se destacam: Hank (Andrew Garfield) e Maggie (Ayo Edebiri). Hank também é professor, um homem branco que não veio do dinheiro, e a dinâmica entre ele e Alma sugere que há algum tipo de sentimento entre eles muito além do que deveria haver entre colegas de trabalho. Já a terceira parte desse trio é Maggie, uma aluna, preta, que está trabalhando em sua tese acadêmica sob supervisão de Hank. À primeira vista, pode parecer óbvio que Alma e Hank estão em posição de poder em relação à Maggie, mas depois descobrimos que ela vem de uma família extremamente rica que, inclusive, é uma das maiores doadoras da Universidade.
Como mencionado, há muitas camadas em “Depois da Caçada”, que vão se interconectando até criar uma situação impossível de se resolver apenas na teoria e no que os próprios personagens estudam e acreditam em relação à definição de ética e moral. Uma vez que as dinâmicas são expostas, fica nítido que a menor das tensões pode desestabilizar o grupo, mas a bomba que cai sobre eles é muito mais explosiva do que sutil: Maggie aparece na porta da casa de Alma, tarde da noite, para dizer que Hank a havia assediado, dentro de sua própria casa, depois do jantar de Alma. A partir desse momento, tudo é colocado à prova. É um caso clássico de “ele disse, ela disse”, enquanto todas as nuances vão tornando a situação ainda mais complexa e uma guerra de egos, de discursos e privilégios. Outro fator que contribui para que “Depois da Caçada” seja um filme polêmico é sua falta de respostas ou conclusões; o roteiro levanta questões, exige reflexão e coloca à tona diversos temas que certamente não serão resolvidos e solucionados com discussões de personagens prepotentes dentro de um filme de pouco mais de 2 horas de duração. No campo das ideias, como uma narrativa reflexiva, o filme é capaz de fazer pensar e entreter, ainda que nos sintamos distantes dos envolvidos.
Por Júlia Rezende