7.7/10

Manas

Director

Marianna Brennand

Genre

Drama

Cast

Jamilli Correa, Fátima Macedo, Rômulo Braga

Writer

Felipe Sholl, Marcelo Grabowsky, Marianna Brennand, Antonia Pellegrino, Camila Agustini e Carolina Benevides

Company

Paris Filmes

Runtime

101 minutos

Release date

15 de maio de 2025

Marcielle, uma jovem de 13 anos que vive na Ilha do Marajó (PA), começa a entender que o futuro não lhe reserva muitas opções. Encurralada pela resignação da mãe e movida pela idealização da figura da irmã que partiu, ela decide confrontar a engrenagem violenta que rege a sua família e as mulheres à sua volta.

Há histórias contadas através de palavras, de prosa, diálogos, monólogos, em que os sentimentos são expressos, as situações são discutidas, as opiniões são argumentadas. “Manas” é um filme que encontra sua força no silêncio. Através da direção sensível de Mariana Brennand Fortes e da atuação impactante da jovem Jamilli Correa, esse é um dos casos em que “uma imagem vale mais que mil palavras”, ou melhor dizendo, um olhar. Cada vez que Marciele (Jamilli Correa) encara sua mãe, páginas e mais páginas de roteiro e mil e uma possibilidades de combinações de palavras são traduzidas de uma vez só, não para uma outra língua, mas para uma amálgama de sensações que seriam impossíveis de se explicar, mas são possíveis (e inevitáveis) de se sentir. Da mesma forma que Marciele e sua mãe Danielle (Fátima Macedo) têm diálogos completos, e conflituosos, sem nunca precisarem trocar uma só palavra. É difícil encontrar esse tipo de cumplicidade, entre mãe e filha, mas também entre personagem e público e é ainda mais impressionante que isso aconteça nas mãos de uma diretora estreante e de uma protagonista com tão pouca bagagem.

Em Manas, vemos uma comunidade ribeirinha em Marajó, no Pará, do ponto de vista de Marcielle, uma criança de 13 anos que começa a passar por aquele estágio estranho entre infância e adolescência. Ela mora com seu pai, sua mãe (que está grávida), um irmão mais velho e um mais novo e sua irmãzinha Carol. A família é grande, mas já foi maior: Marcielle tem guardada uma foto da irmã mais velha que, de acordo com sua mãe, decidiu sair da comunidade porque encontrou um homem bom que a levou embora com a balsa. Marcielle não parece 100% satisfeita com a resposta, mas a aceita, ainda que vez ou outra volte a olhar com tristeza e saudade a foto da irmã. Em compensação, a vida de Marcielle parece ser simples e boa. Ela gosta de desenhar e brincar com a irmã, tomar banho de rio, ir pra escola, dançar na igreja, e seu pai tem um cuidado especial com ela.

A mudança de Marcielle, de criança para “adulta” (pelo menos aos olhos dos adultos), é repentina, uma hora ela está brincando de boneca com a irmã, no outro está sendo chamada para ajudar com as coisas de casa – ela vai, a irmã fica. A mãe sugere até que ela já pode ir vender açaí e camarão (coisas que eles plantam e caçam para subsistência) na balsa, mas o pai fica furioso, filha dele não pisa na balsa, é o que ele diz. Ele poderia ser apenas um pai protetor, mas assim como Marcielle, ele muda. A transformação do pai é muito mais sutil, envolvida num suspense que poderia ser digno de filme de terror. O espectador pode perceber a reação da mãe antes de perceber a natureza do pai, quando a rede de Marcielle rasga, a mãe logo oferece a sua própria rede, mas o pai insiste que Marcielle durma na cama com ele, já que a mãe já não dorme lá há muito tempo. 

Por mais que o filme tenha como tema central o abuso, Marianna Brennand trata do assunto com uma sensibilidade ímpar, sem nunca mostrar o abuso em si, mas sim criando situações paralelas que são tão impactantes quanto. Em uma cena específica, em que Marcílio (Rômulo Braga), o pai, leva Marcielle para caçar pela primeira vez, o pai se coloca atrás dela para lhe mostrar como segurar a arma, e sem que nada explícito esteja acontecendo, a construção da cena transparece tanta tensão e horror que poderia fazer parte de um filme de terror, antecipando um jumpscare, mas o que acontece é muito pior, e também muito mais sutil. A inocência da infância se desfaz em pedaços e de repente Marcielle se vê num mundo muito mais real e muito mais cruel e, encontrando silêncio em todos os adultos para os quais pede ajuda, acaba encontrando um caminho através de sua amiga, que tem a mesma idade, mas já conhece esse mundo há mais tempo. Dentro dessa história de amadurecimento, inspirada em depoimentos de meninas reais sobre abusos, estão contidas diversas observações sobre o papel da família, da religião, das autoridades e também das influências externas quando todo o resto falha. 

A escolha da comunidade ribeirinha como cenário acrescente uma camada de regionalismo e de intimismo à narrativa, sem que ela deixe de ser uma história universal. A fotografia também faz um excelente trabalho ao explorar toda a natureza ao redor e os aspectos específicos da região, integrando-os à história de forma coesa, simples e eficiente (o plano de abertura é uma obra de arte por si só). Seguindo na linha de decisões acertadas, é necessário destacar as performances de todo o elenco, atuações com toque de naturalismo que permite ao espectador criar empatia e todo tipo de sentimento com a história e com cada um dos personagens. O cinema nacional tem alcançado um padrão de qualidade elevado nos anos mais recentes e “Manas” é mais uma (e entre as melhores) prova desse ótimo momento.

 

Por Júlia Rezende

10

Mission Accomplished

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