O Último Azul
Director
Gabriel Mascaro
Genre
Drama
Cast
Denise Weinberg, Rodrigo Santoro, Miriam Socarrás
Writer
Gabriel Mascaro e Tibério Azul
Company
Globo Filmes
Runtime
85 minutos
Release date
28 de agosto de 2025
O Último Azul é uma surpresa e uma viagem – em todos os sentidos. Num mundo em que países que envelhecem passam por crise, a versão distópica do Brasil de Gabriel Mascaro é muito mais crível do que deveria ser. Dentro da ordem capitalista mundial, envelhecer é sinônimo de prejuízo econômico para a nação (é só ver o exemplo do Japão), mais gastos com saúde, menos força de trabalho, idosos são vistos como problema, um fardo a ser carregado pelos mais jovens, ignorando completamente o fato de que todos nós seremos idosos um dia, se tivermos sorte. Assim como acontece com qualquer tipo de política, no entanto, as coisas são apresentadas aos cidadãos de uma forma muito mais otimista: um dia, Tereza (Denise Weinberg) chega em casa e encontra louros gigantes na porta da sua casa, ela agora é um “patrimônio nacional”, só por conta de sua idade. De acordo com o governo, pessoas idosas são tão especiais que recebem os louros, uma medalha e uma viagem só de ida para as colônias, com a promessa de que lá é um lugar incrível em que as pessoas idosas podem desfrutar dos seus “últimos” anos sem preocupações.
Tereza, no entanto, não se deixa enganar pela propagando, até porque tem bons motivos para desconfiar, ninguém que vai pras colônias é visto novamente e pior, é uma obrigatoriedade. Quando o cidadão faz 80 anos, antes de ir para as colônias ele perde a própria tutela (que vai para os filhos, sob o pretexto de tirar as obrigações de uma pessoa idosa) e deve pedir permissão para tudo, como uma criança. O idoso que anda sozinho nas ruas sem autorização é levado pela polícia num carro aberto que foi apelidado de “caça-velho”, o que já demonstra o bom-humor do filme mesmo para lidar com uma realidade fictícia nada engraçada. Tereza acredita ter mais alguns anos de liberdade, já que acabou de completar 77, mas quando o governo muda a lei e baixa a idade para 75, ela de repente vê sua posição na sociedade mudar completamente e seu futuro lhe é tomado.
Grande parte do êxito de O Último Azul se dá por conta da construção de Tereza como personagem. Com poucos minutos de filmes, e ainda menos falas, já conseguimos entender a essência de Tereza, graças ao roteiro de Gabriel Mascaro e à atuação impecável de Denise Weinberg. Ela é uma mulher independente, mora sozinha, trabalha e nem chega a contemplar sua finitude até que o governo o faça; é também teimosa e resiliente, tanto que não aceita ser mandada para as colônias e dá um jeito de fugir para realizar o sonho de andar de avião, começando assim a sua jornada de aventura, que acaba indo muito além do que sonhava. Já no início encontra Cadu (Rodrigo Santoro) e o convence a levá-la até um lugar com um avião e um piloto. É a partir do encontro com Cadu que a aventura de Tereza começa a se formar – e surpreender, principalmente depois que ele lhe mostra um caracol que expele uma gosma azul e jura que, ao pingar a substância (uma espécie de alucinógeno) nos olhos, você pode ver o futuro.
Distopia encontra fantasia, mas sem tirar o pé do chão. Tereza se fortalece enquanto sua personalidade se expande de acordo com obstáculos, resoluções e novos personagens que aparecem em seu caminho. É um contraste óbvio com a imagem de “idoso” que o governo fictício quer estabelecer. Longe de uma velhinha fofa, indefesa e inocente, Tereza é cheia de vontades, de intenção e entendemos, junto com ela, que uma nova fase de sua vida está apenas começando, sem faixa etária e sem limites. Gabriel Mascaro mostra sua destreza ao retratar uma personagem feminina tão resoluta e real, Tereza não é uma imagem pronta que nosso imaginário produz ao visualizar uma senhora de 77 anos, mas é extremamente real mesmo assim. Para além de uma simples crítica, o filme utiliza da sutileza para construir um Brasil futurista sem precisar de explicações excessivas. As atuações são excelentes, assim como a fotografia, unindo todas as pontas necessárias para que o resultado seja um grande filme, sem dúvidas merecedor de todos os prêmios que já conquistou, inclusive o Urso de Prata no último Festival de Berlim.
Por Júlia Rezende