
Virgínia e Adelaide
Director
Yasmin Thayná e Jorge Furtado
Genre
Drama
Cast
Sophie Charlotte e Gabriela Correa
Writer
Jorge Furtado
Company
H2O Films
Runtime
96 minutos
Release date
08 de maio de 2025
Há obras que não se encaixam facilmente nos padrões, cujos formatos misturam e se confundem, por mais que a originalidade tenda a ser um ponto positivo, às vezes a ousadia não é recebida pelo público da forma que seus idealizadores. No caso de Virgínia e Adelaide, ainda que o conteúdo seja excelente, a forma, algumas vezes, me distraíram da narrativa proposta, o que é uma pena porque traz uma história com personagens interessantes, extremamente relevantes e, infelizmente, esquecidas. Com roteiro de Jorge Furtado, que dirigiu o filme junto com Yasmin Thayná, “Virgínia e Adelaide” usa a amizade entre essas duas mulheres que intitulam o longa para trazer uma visão ampla, e bem didática, sobre racismo, antissemitismo inseridos sob o cenário político brasileiro no final da década de 30.
Adelaide Koch, interpretada por Sophie Charlotte, é uma psicanalista judia renomada de Berlim que acaba se refugiando no Brasil por conta do regime nazista na Alemanha. Já Virgínia Bicudo, vivida por Gabriela Correa, é pesquisadora, negra e viria a ser a primeira paciente de Adelaide no Brasil; seu desejo é de se submeter à análise da psicanalista alemã para entender como ser uma mulher negra no Brasil afetou seu desenvolvimento como pessoa, ela acredita que só assim será capaz de estudar o racismo a fundo. No começo, Adelaide é veementemente contra, ela não acha que pode ajudar Virgínia e ainda se sente desconfortável quanto à sua proficiência da língua portuguesa (Sophie Charlotte faz uso de um sotaque alemão que não está entre as minhas coisas preferidas do filme), mas Virgínia é determinada e consegue fazê-la mudar de ideia. As sessões de análise são intensas e numerosas, elas se encontram 4 vezes por semana e mergulham nas experiências de Virgínia, incluindo relações familiares, profissionais e episódios em que sentiu, com mais força, o racismo.
Traçando paralelos entre o racismo sofrido por Virgínia no Brasil e o antissemitismo experenciado por Adelaide na Alemanha, ambas descobrem, a cada sessão, mais coisas em comum e a relação entre psicanalista e paciente logo dá espaço para formar, também, uma amizade. Para contar essa história, Yasmin Thayná e Jorge Furtado fazem uso de apenas um cenário: o apartamento de Adelaide onde são realizadas as sessões e as duas são as únicas personagens. As cenas dos seus encontros, no entanto, são intercaladas com cenas que usam uma linguagem visual mais lúdica para expor fatos históricos, lidos e esmiuçados pelas duas mulheres com um plano de fundo que varia entre imagens históricas e chroma key. Em outras cenas, as duas aparecem individualmente, como se estivessem dando uma entrevista, ou até mesmo participando de um documentário nos tempos de hoje. Como mencionado, essa mistura é uma escolha ousada que nem sempre dá certo, por vezes o fundo de chroma key parece brega, a verborragia para narrar fatos históricos pode ser didática demais, com uma linguagem mais propícia para um curso do que para um filme de ficção, e o uso de termos mais modernos por personagens da década de 30 acabam descaracterizando a narrativa.
Talvez “Virgínia e Adelaide” seja uma daquelas obras que se dariam melhor em outro meio, como o teatro, uma sensação parecida com a passada pelo filme A Paixão Segundo G.H. (2023), que também usa uma linguagem mais prosaica e com foco em apenas uma personagem. No entanto, é importante ressaltar que, apesar dos deslizes, se trata de um filme capaz de envolver o espectador, seja pelas atuações belíssimas das protagonistas ou pela vida de Virgínia e Adelaide, pioneiras na psicanálise e na bandeira do cuidado com a saúde mental acessível no país. É indignante que a história dessas duas figuras tenha sido negligenciada por tanto tempo e é louvável a intenção de Yasmin Thayná e Jorge Furtado de trazê-las à tona de forma tão incisiva, com todos os detalhes e contexto que merece, sem nunca deixar de lado a sensibilidade. Tanto Adelaide quanto Virgínia descrevem suas inquietudes e desafios de forma humana e impactante, seus diálogos são inspirados, reflexivos e acima de tudo relevantes – hoje, tanto quanto seriam na época em que aconteceram – e ver duas mulheres tão distintas e complexas discutindo assuntos tão pertinentes faz, por si só, um filme digno de atenção.
Por Júlia Rezende