Lars Von Trier encanta e afronta o público com seu poderoso discurso metafórico em “A Casa que Jack Construiu”

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Inevitavelmente, Lars Von Trier é um dos nomes mais chamativos do cinema atualmente. Estatelando tanto para o negativismo de sua obra exagerada e insensível, quanto para o positivismo, com olhares encantados à “obra prima” do dinamarquês.

Por mais que você escolha um dos dois, Von Trier é um diretor a se reconhecer. Mesmo com seu discurso ignorante sobre a qualidade de suas próprias obras. Por outro lado, há também uma ignorância da crítica sobre seus filmes e suas mensagens. E em A Casa que Jack Construiu isso não é diferente.

Sem medo de chocar com sua direção forte, Von Trier segue a mesma narrativa de Ninfomaníaca (2013). Há divisões em capítulos – como o cineasta gosta de contar suas histórias – a personagem é fora do padrão comum e a mesma se comunica com um personagem misterioso e inicialmente comum, mas que no final se mostra tão desajustado quanto.

Dá pra ver como Von Trier se manteve em uma mesma linha dramática, característica que pode desagradar aqueles que já o acompanham há tempos.

Contudo, A Casa que Jack Construiu discute diferentes assuntos de diferentes maneiras. Por um lado, a nova obra do cineasta dinamarquês discute a própria essência do ser humano com um discurso de poder, trazendo conceitos de atuais líderes mundiais.

O personagem de Matt Dillon no início se mostra um “limpador”, trazendo discurso de varrer o mundo de pessoas ruins, por isso suas vítimas trazem características negativas, como arrogância, individualismo, importunação e ganância. Isso faz com que o espectador se sinta conectado com Jack.

Entretanto, suas características como assassino vão exagerando, e seu perfeccionismo vai só aumento. Aqui, Von Trier demonstra a mensagem de que, no começo, acreditamos ser a mudança, a limpeza do mal do mundo, mas, com o tempo, esse ódio se torna exagerado.

O discurso é ainda mais reforçado pelas vítimas de Jack. Na maioria mulheres, o próprio texto deixa explícito o olhar de superioridade dele ao personagem do sexo oposto. Há também crianças – que, por essência são pessoas inocentes, sem qualquer capacidade de defesa. E por fim, um negro e um japonês, presos em uma trincheira da Segunda Guerra.

Von Trier deixa tudo isso limpo em tela, e reforça ainda mais no texto. Cinematograficamente, sua escolha é condenável, transformando tudo em pleonasmo, já que há uma repetição daquilo que está em tela, nas falas.

No entanto, seguindo a linha metafórica citada acima, esse pleonasmo, na realidade, é um reforço e um alerta, já que, mesmo sabendo o que está acontecendo, ainda precisamos de alguém nos reforçando para enxergarmos a realidade estampada na nossa frente.

Em tempos atuais, essa mensagem pode ser facilmente interpretada dessa maneira, dando margem para os detalhes finais, muito ligados a religião, principalmente com a ida de Jack ao inferno.

Pelo outro lado, o cineasta pode estar realizando uma autocrítica de toda sua filmografia e de sua carreira como cineasta. O próprio Jack, então, seria ele. No início, seus filmes eram vistos por ele como obras de arte e perfeitas, enquanto a crítica e o público enxerga aquilo como algo desagradável e sórdido, como em Elementos de um Crime (1984) e Ondas do Destino (1996), suas duas primeiras obras.

O discurso ganha ainda mais força quando Lars decide colocar rápidos flashes de seus filmes, como Anticristo (2009) e o já citado Ninfomaníaca.

Só o fato do longa trazer duas de diversas possíveis análises já fazem de A Casa que Jack Construiu uma obra por si só. Tecnicamente, a direção é impecável. O trabalho traz elementos característicos de sua filmografia, com uma câmera mais solta e recheada de planos fechados, deixando tudo com uma cara documental e o espectador ainda mais próximo daquele personagem e de seu universo sujo.

Nos assassinatos, o cineasta trabalha com uma realidade fora do comum. A sujeira e o gore das cenas são críveis, justificando  a polêmica em Cannes, com a saída de diversos críticos no meio da sessão por uma específica cena. Contudo, a cena em questão, muito debatida pelo caso em Cannes, é discutível.

Realmente as imagens retratadas machucam pela frieza, mas ao mesmo tempo e de forma controversa, a cena polêmica em questão, envolvendo uma criança, é deveras falsa pelo uso de um nítido boneco para sua realização.

O arco final é a verdadeira demonstração da genialidade de Von Trier como cineasta. A sequência pode ser vista como distante da narrativa mais pé no chão que toma conta de praticamente todo o longa. Porém, as características do final foram dadas aos poucos, principalmente por termos um personagem chamado Virgílio – interpretado maravilhosamente por Bruno Ganz – poeta romano clássico que serviu de grande influência para A Divina Comédia, que, por sua vez, é lindamente referenciada na sequência final.

O trabalho primoroso da direção também está na atuação de Matt Dillon, que, de longe, apresenta seu melhor trabalho em anos.

No fim, Lars Von Trier entrega mais um trabalho polêmico em sua carreira. Polêmico pelas cenas, pelas metáforas e até por sua estabilidade narrativa. Entretanto, sua qualidade como cineasta não diminui a obra que é A Casa que Jack Construiu.

Com um discurso forte, dado com uma direção ainda mais, faz de seu novo filme uma experiência única no cinema, mas apenas para aqueles que não consumiram muito do diretor. Caso o contrário, as duas horas e meia de duração serão ainda mais dolorosas.

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