“A história de uma vida”

Alguma vez você já se sentiu deslocado, como se o ambiente a sua volta te fizesse se sentir um total estranho? Bom, acho que todos nos sentimos assim algumas vezes e sabemos bem o quão desconfortável isso pode ser. Mas, e se essa sensação horrível te acompanhasse durante toda a sua vida? Essa é a história do protagonista de “Moonlight: Sob a Luz do Luar”.

O filme é dividido em três momentos – infância, adolescência e vida adulta – da existência de Chiron, um jovem negro e homossexual criado na dura periferia de Miami, nos anos 1980. Um rapaz tímido e incompreendido que vive com a mãe viciada em crack (Naomi Harris), sem uma figura paterna como referência, e que sofre constantes abusos psicológicos por ser diferente dos outros garotos de sua idade.

Além de tratar de temas extremamente relevantes para a sociedade atual, sem sombras de dúvidas “Moonlight” é um dos melhores estudos de personagem que assisti no cinema em toda a minha vida. As três fases que o filme brilhantemente representa na vida de Chiron – provavelmente inspiradas no filme ‘Três Tempos’, de Hsiao-Hsien Hou – correspondem exatamente aos momentos decisivos na vida de uma pessoa, que moldam seu caráter e as tornam quem são.

A princípio, os destinos de Chiron (Alex Hibbert) e Juan (Mahershala Ali) acabam se cruzando. O garoto franzino, que foge de agressores do colégio, encontra no traficante do bairro a figura paterna que lhe faltava. Uma frase dita por Juan no primeiro encontro entre os dois, enquanto o garotinho se escondia, chama a atenção: “Vamos [comigo], não tem como ser pior do que já está sendo”. Infelizmente, a vida mostraria o quanto ele estava errado.

A relação entre os dois rende ao filme não apenas diálogos inspiradíssimos sobre como assumir sua orientação sexual, por exemplo, como também primorosos momentos cinematográficos. Um deles é a bela cena no mar – que lembra um batismo ou renascimento -, em que Juan mostra ao Chiron que ele também faz parte do mundo. O fato de Mahershala estar literalmente ensinando o jovem ator a nadar naquela cena, traz ainda mais veracidade e emoção ao momento.

Na segunda parte o drama aumenta significativamente. O conflito de Chiron ser alguém sensível em meio às pressões que a sociedade violenta e preconceituosa coloca sobre ele gera cada vez mais aquela sensação de indignação e pena no espectador. O bullying aumenta, o vício da mãe piora e Chiron só tem um amigo a quem pode suprir sua carência por atenção, Kevin (Jharrel Jerome).

Nesta parte, o praticamente estreante diretor Barry Jenkins, que também assina o roteiro, explora muito da sua conturbada experiência pessoal, já que cresceu naquele mesmo bairro e sua mãe também teve problemas com drogas. O mais incrível é que devido a problemas de visto de trabalho, já que é britânica, Naomi Harris teve apenas três dias para gravar todas as suas cenas. Considerando seu pouco tempo de preparação, o sentimento e o descontrole que sua atuação consegue expressar acabam justificando com méritos sua primeira indicação ao Oscar.

Falando no elenco, certamente as atuações são um elemento chave para o sucesso de “Moonlight”. Além do garotinho Hibbert, Ashton Sanders e Trevant Rhodes, que interpretam Chiron na adolescência e fase adulta, respectivamente, conseguem manter a mesma essência doce que o personagem tenta reprimir. É incrível como nunca deixamos de acreditar que Chiron é uma pessoa real no filme.

Isso é um trabalho extremamente difícil por parte da direção: manter o equilíbrio de três atores em momentos completamente diferentes da vida de um personagem, mas com a mesma sensação de vulnerabilidade. Outro destaque vai para Mahershala Ali que, mesmo com pouquíssimo tempo de tela, fez o suficiente para justificar sua possível (provável) vitória no Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Janelle Monáe também entrega uma atuação bastante sólida.

“Moonlight” foi indicado a 8 Oscars, incluindo Melhor Filme, Roteiro Adaptado, Fotografia, Edição e Trilha Sonora. Um feito incrível para uma produção independente de baixíssimo custo. E, além de atuações e história, tecnicamente o filme também é um primor: desde a trilha melancólica de Nicholas Britell, passando pela bela, mas ao mesmo tempo trágica fotografia de James Laxton, e com uma montagem fluída, que conecta bem os eventos, priorizando a emoção e delicadeza que os diálogos e cenas querem expressar.

A direção de Jenkins é esplêndida e criativa desde uma das cenas de abertura, em que utiliza um giro em 360° para apresentar tanto os personagens quanto a vizinhança. Há também um belo enquadramento de Chiron de ponta cabeça, reforçando como seu mundo “virou” após uma revelação inesperada. Ou, ainda, a câmera trêmula, muito próxima do rosto de Naomi que olha diretamente para nós, ressaltando sua abstinência e descontrole e causando desconforto no espectador. Vale destacar ainda a cena do Jukebox: ao mesmo tempo que é impactante, vai tocar no fundo da alma de muitas pessoas com uma das sequências mais românticas e delicadas de 2016/17.

Concluindo, “Moonlight” é uma história extremamente relevante e não há como não empatizar com as pessoas que sofrem pressões sociais, raciais ou de qualquer outra origem, simplesmente por não poderem ser quem realmente são. Para saber quem você é, às vezes, você só precisa de alguém que te entenda e te aceite como é. Algo aparentemente simples, mas muito difícil de encontrar. Talvez essa seja a grande tragédia do filme. Barry Jenkins é definitivamente um diretor para se acompanhar muito de perto daqui para a frente.

E você, já assistiu ou está ansioso para ver? Concorda ou discorda da análise? Deixe seu comentário ou crítica (educadamente) e até a próxima!




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