
Anora
Diretor
Sean Baker
Elenco
Mikey Madison, Paul Weissman, Yura Borisov
Roteirista
Sean Baker
Estúdio
Universal Pictures
Duração
139 minutos
Data de lançamento
23 de janeiro de 2024
Não é com muita frequência que um filme pode nos levar a lugares impensáveis com real surpresa e imersão. É um grande desafio – e maior conquista – conseguir nos colocar no lugar do protagonista a ponto de não questionarmos suas atitudes, porque todas elas nos parecem tão naturais quanto se fossem nossas. Sean Baker não é nenhum novato no que diz respeito a conexão emocional do público com seus personagens, e aqui ele usa essa habilidade de criar personagens tão cruamente humanos para nos levar em uma montanha russa de sensações e situações mirabolantes, mas estranhamente aceitáveis dentro do contexto criado num roteiro bem amarrado com uma história que mistura romance, drama, ação e, além de todas as possibilidades, uma boa dose de realidade.
Grande vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2024, “Anora” é um filme que encanta, primeiramente, por conta de seus personagens. Ani (Mikey Madison), como Anora gosta de ser chamada, não é a personagem título à toa, a jovem mulher que trabalha como dançarina exótica (entre outras coisas) numa boate de qualidade duvidosa é uma aula de como uma personagem bem desenvolvida deve ser, e Sean Baker merece os cumprimentos por escrever uma personagem feminina com tamanha destreza. Ani consegue, simultaneamente, ser a mocinha e a heroína, com um quê de princesa, nesse conto de fadas às avessas. Ainda que sua pouca idade possa ser reconhecida à primeira vista, ela logo deixa bem claro que não é ingênua e inocente como pode aparentar ser. Ani trabalha sem nunca sentir dó de si mesma, sabe se impor e não deixa que ninguém a coloque em uma posição que sente não merecer estar.
Quando um jovem russo (e muito rico) aparece na boate em que Ani trabalha e acaba sendo direcionado à ela (a única dançarina que também fala russo por sua descendência) para uma “noite de diversão nos EUA”, a sorte de Ani começa a mudar. Ivan (Mark Eydelshteyn) ainda tem cara de adolescente e a inexperiência de um. Apesar de ser milionário, filho de um oligarca russo, ele é surpreendentemente carismático, um tipo charmoso de nerd e, contrariando todas as expectativas, trata Ani muito bem. O dinheiro de Ivan dá a ele uma liberdade que Ani até então desconhecia, e a experiência de vida de Ani parece colocá-la numa posição de dominância em relação a Ivan. Quando ele propõe que ela seja namorada dele por uma semana – com um generoso cachê, é claro – ela não hesita em dizer sim. Uma mistura de todos esses fatores, aliados à atração e hormônios jovens fazem com que os dois engate em um romance meteórico, intenso e absolutamente delicioso de se assistir. “Anora” é um filme de romance, uma comédia e um drama e é impressionante como faz todos os gêneros com igual intensidade e qualidade. Havia muito tempo que eu não torcia tanto por um casal no cinema e é fácil para o público, assim como para Ani, ignorar tudo que poderia dar errado num relacionamento de um jovem herdeiro russo com uma dançarina exótica de Nova Iorque.
Quem não é capaz de ignorar a situação são os pais de Ivan, principalmente depois que ele pede Ani em casamento e, preocupados com as possíveis consequências desse ato, mandam um padre e um time de capangas para tentar controlar a situação. Entre esses capangas está Igor (Yura Borisov), outra peça chave para a sensibilidade crua do filme. “Anora” não é um filme de plot twists ou grandes mistérios, mas alça grandes voos ao se apoiar nas personalidades conflitantes de suas personagens repletas de nuances e nas vidas que cada um levam por serem quem são e estarem onde estão. Sem apelar, Sean Baker utiliza momentos de sutileza e megalomanias, alternados num equilíbrio revigorante para mostrar mais uma faceta de um tema comumente abordado pelo diretor: classe. Por mais que possa parecer óbvio considerando a discrepância social dos dois, a dinâmica entre eles faz o dinheiro parecer insignificante (ainda que uma presença constante), mas a interação de Ani com outros personagens, sobretudo com Igor, nos lembram de outras realidades muito mais duras – e possíveis. É impossível, e seria incrivelmente injusto, não mencionar as atuações de Mikey Madison, mostrando ser uma dos grandes destaques de sua geração, capaz de fazer uma personagem que faz questão de se mostrar forte como a vida o fez, mas com uma camada de vulnerabilidade reservada para os olhos do público e a atuação Yura Borisov que encontra sua força na quietude e dá a alma necessária para que Igor receba a atenção que merece.
Por Júlia Rezende