7.6/10

Eu, Capitão

Diretor

Matteo Garrone

Gênero

Drama

Elenco

Seydou Sarr, Moustapha Fall, Issaka Sawadogo

Roteirista

Matteo Garrone, Massimo Ceccherini, Massimo Gaudioso, Andrea Tagliaferri

Estúdio

Pandora Filmes

Duração

121 minutos

Data de lançamento

22 de fevereiro de 2024

Seydou e Moussa são dois adolescentes senegaleses que partem de Dakar rumo à Europa, em uma odisseia contemporânea, superando uma série de obstáculos. Essa grande aventura nos conduz pelos perigos do deserto e do mar, pelas ambiguidades e pelas contradições do ser humano, na qual os sonhos, esperanças e ambições dos personagens principais se transformam em luta por sobrevivência.

O representante da Itália no Oscar desse ano é um filme, na verdade, muito mais senegalês do que italiano. “Eu, Capitão”, dirigido por Matteo Garrone (Gamorra), é o epítome da estrutura da Jornada do Herói e prova que, quando empregada da forma correta, até mesmo as mais tradicionais e antigas técnicas são capazes de contar histórias extraordinárias. O herói em questão é Seydou (Seydou Sarr), um jovem senegalês que vive em uma comunidade humilde no Senegal com sua mãe e suas (várias) irmãs mais novas. Seydou tem o sonho de prover uma vida melhor para sua família e acredita que esse sonho pode se realizar na Europa. Junto com seu primo Moussa (Moustapha Fall), ele junta dinheiro e os dois partem numa jornada de seu país para a costa da Itália.

Toda a trajetória nos é contada a partir da perspectiva do jovem Seydou. Primeiro conhecemos sua casa, sua família e sua comunidade. É evidente a falta de dinheiro, de estrutura e do que conhecemos como “melhores condições de vida”, mas também é evidente a quantidade de amor que está presente na vida de Seydou, a cultura rica e o afeto entre sua família. Porém, assim como os milhões de imigrantes que deixam seus lares para trás, Seydou não está satisfeito com o pouco (material, ao mesmo) que está ao seu alcance, ele tem acesso à Internet, junto com Moussa assiste vídeos na Internet e os primos nutrem o sonho de se tornarem estrelas da música na Europa. Para qualquer um assistindo, não há dúvidas de que são sonhos infantis, com pouquíssimas (quase inexistentes) chances de se tornar realidade, mas Seydou e Moussa são, de fato, crianças, e para eles ainda há um mundo de possibilidades. 

Quando a mãe de Seydou descobre seus planos de partir, ele recebe um duro sermão sobre como milhões de pessoas morrem durante a migração – crianças, mulheres -, o alerta sobre os perigos, o proíbe de ir. Quando Seydou e Moussa entram em contato com um homem que os daria as coordenadas para a viagem, ouvem o mesmo alerta, mas os dois estão dispostos a correr os riscos, por mais que não os entendam completamente ainda e, depois de juntarem dinheiro trabalhando escondido, partem em viagem, também escondidos. Os primeiros indicativos de que o mundo não é como eles esperavam que fossem começam a aparecer, cada encontro que eles têm com outras pessoas vem com trapaças e golpes, facilmente aplicados diante da inocência dos meninos. Alguns desses golpes têm momentos que chegam a ser engraçados, é a parte mais leve da viagem – até que eles chegam na travessia do deserto. 

“Eu, Capitão” é uma odisséia sobre amadurecimento e a passagem de Seydou pelo deserto é o cume da perda de sua inocência. É um momento em que a história poderia facilmente ter enveredado para um drama pessimista, um caminho obscuro que refletisse os horrores que Seydou conheceu com seus próprios olhos, mas é aqui que Garrone coloca em jogo sua direção delicada e respeitosa da essência que Seydou apresentava desde o início. Há dor, morte, entre outras coisas, mas há também bondade, fé e esperança, apesar de tudo. É no deserto também que, além de uma primorosa fotografia, elementos lúdicos são introduzidos na história, tomando forma de entidades da cultura africana e demonstrando a fé de Seydou na religião e no amor por sua família. 

O filme é também uma história de lealdade, com os outros e também consigo mesmo. Seydou nunca abandona Moussa, mesmo nos momentos mais difíceis, mas também não abandona suas raízes, principalmente seus princípios e ideais. Em uma conversa, quando já havia passado por situações extremas, mas ainda tinha um longo caminho a ser percorrido, é levantada a possibilidade de Seydou retornar para Senegal, mas ele a rejeita imediatamente. A verdade é que o jovem já estava tão transformado que nada poderia fazê-lo retornar ao que era antes – ainda que voltasse fisicamente para casa, jamais seria o mesmo Seydou que sua mãe e irmãs conheceram. Ainda assim, em Seydou continuou existindo a humanidade, a compaixão que lhe foram negadas em tantos momentos. 

Há algo muito especial em assistir uma história com um personagem que inspira torcida e a direção de Garrone, junto com a atuação impressionante do novato Seydou Sarr, fazem com que cada passo do personagem seja sentido pelo espectador e a jornada desse herói (que é também a história de tantos imigrantes de todo o mundo), independente do destino, seja celebrada. 

 

Por Júlia Rezende

 

 

9

Missão cumprida

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