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Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes

Diretor

Trey Edward Shults

Gênero

Drama

Elenco

Abel Tesfaye, Jenna Ortega, Barry Keoghan

Roteirista

Abel Tesfaye e Reza Fahim

Estúdio

Paris Filmes

Duração

105 minutos

Data de lançamento

15 de maio de 2025

A história apresenta a jornada de um músico (Tesfaye) atormentado pela insônia, que se aventura ao lado de uma misteriosa estranha (Ortega) - uma jovem obcecada por seu trabalho. A relação ultrapassa os limites da admiração e da sanidade e deixa o cantor à beira de um colapso mental.

Talvez, dentro de Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes esteja um filme que só os fãs incondicionais (e experts) de The Weeknd consigam enxergar, mas como público geral, só o que encontrei foi um filme sem narrativa, sem desenvolvimento, pautado apenas na genialidade que o próprio Abel Tesfaye julga ter, ficando abaixo de todas as expectativas – que já estavam bem baixas por conta da última experiência de Abel com a indústria audiovisual, a série The Idol. Quando a MAX anunciou que lançaria uma série criada e protagonizada por Abel Tesfaye, mais conhecido por The Weeknd, minha curiosidade foi atiçada primeiro porque gostava dos primeiros sucessos do cantor e também porque a série seria dirigida por Sam Levinson (que tinha um bom histórico com Euphoria) e traria bons nomes no elenco. Quando a série foi lançada, no entanto, minha decepção foi enorme (você pode ler sobre aqui): posicionamento extremamente machista, conteúdo indulgente e egomaníaco tanto de Abel quanto de Sam Levinson, colocando o cantor como vítima de uma mulher calculista e manipuladora – apesar de ter apresentado o oposto durante todos os episódios exceto o final. 

Com essa memória, a ideia de um filme inspirado na música e na vida de Abel Tesfaye, filme de sua criação, com sua mão no roteiro e estrelado por ele fazendo o papel dele mesmo, não despertou meu interesse, mas ainda assim optei pelo benefício da dúvida e mantive a mente aberta; mais uma vez ele está em boa companhia, com Barry Keoghan e Jenna Ortega como coadjuvantes. A cena de abertura traz Abel ouvindo o áudio de uma mulher (Riley Keough), uma ex-namorada, dizendo o quanto ele a machucou, que ele provou não ser uma boa pessoa, e que a mãe dele teria vergonha de seu comportamento. Quem é a mulher, o que aconteceu? Não importa, Abel está sofrendo, mas vai subir no palco mesmo assim, já que ele é um grande astro, um gênio, um super-herói, como seu empresário Lee (Barry Keoghan) está sempre dizendo. Intercalado com o show, cheio de luzes psicodélicas e uma estética marcante, vemos Ani (Jenna Ortega) tacando gasolina e ateando fogo numa casa vazia. Parece uma introdução interessante o suficiente, e talvez até fosse, se não durasse praticamente metade do filme. 

Entre Abel cantando e Ani fugindo depois do incêndio, 40 minutos do filme passam sem qualquer desenvolvimento do roteiro, Ani não tem uma fala completa até a marca de uma hora. Enquanto isso, só sabemos que Abel está triste, mas também revoltado, ele tenta incessantemente ligar para a ex e quando ela não atende, seu sofrimento vira agressividade e ele deixa mensagens de voz destiladas de ódio (e xingamentos) para a mulher, que continua sem atender. Já Ani é uma fã, e dá um jeito de entrar no show de Abel e ir até a grade. Aparentemente, esse é o show com o menor nível de segurança dos Estados Unidos, já que além de Ani entrar escondida, ainda consegue pular a grade na frente dos seguranças e se enfiar nos bastidores onde acaba esbarrando em Abel, que largou seu show depois da primeira música sem dar qualquer explicação aos fãs.

Existe uma prática nos fandoms que é a escrita de fanfics, muitas delas envolvem histórias escritas por fãs, que se colocam em histórias em que são notados por seus ídolos no meio de uma multidão e eles, inevitavelmente, vivem uma história de amor. A história de Abel e Ani parece uma fanfic, mas escrita pelo ídolo e não pela fã. Abel queria desistir do show segundos antes de começar, suas cordas vocais estão com um problema por conta do estresse e ele está perturbado por conta da ex, mas Lee o convence a entrar no palco com ajuda de drogas. Quando está cantando, seus olhos encontram os de Ani e, por algum motivo,é amor (ou ao menos atração) à primeira vista. Depois de se esbarrarem nos bastidores, ele a chama para sair e eles passam a noite juntos, mas na manhã seguinte as coisas estão diferentes.

O material promocional do filme sugere que se trata de uma grande experiência para o espectador, faz sentido no que diz respeito às técnicas, aos visuais, um pouco até à trilha. A direção de Trey Edward Schultz tem muitas ideias, coloca várias delas em prática, mas em vez dessas técnicas trabalharem para um fim em comum, ficam largadas pelo caminho sem nunca completarem uma ideia. Muitas vezes o longa flerta com o suspense, o terror psicológico: as luzes (o jogo de sombras é realmente interessante), os cortes abruptos, as cenas em que Abel se vê sozinho de repente, mas novamente, nenhuma dessas coisas chegam a algum lugar. Sobre o que é filme? É uma boa pergunta sem uma boa resposta. Certamente é um filme sobre o quanto Abel é um artista torturado, sofredor, pisoteado pelas mulheres que cruzam seu caminho (e ele já tinha deixado tudo isso bem claro em The Idol), mas nada disso é inserido num contexto narrativo e sim são explanados palavra por palavra em diálogos forçados.

Uma coisa é você ser o centro de uma cinebiografia em que te colocam num pedestal, outra coisa é você fazer um filme sobre você e se colocar nesse lugar. Cada sequência do filme deixa bem claro a imagem que Abel tem de si e como ele espera que o público o veja também. Em um monólogo absurdo, Ani dá uma pausa da história para explicar, para o próprio Abel, as letras de suas músicas, dizendo que poucos veem, mas que as músicas são muito mais profundas do que aparentam ser. Essa parece ser a visão geral de Abel sobre sua arte e o filme existe só para corroborar com essa ideia. Nem mesmo as músicas são bem empregadas, aparecendo em momentos redundantes, tanto que chega a ser disruptivo, e ainda que tudo seja sobre Abel, sua versão fictícia também não é bem desenvolvida, será mesmo que ele, o outro roteirista, Reza Fahim, e o diretor acreditam que Abel seja uma figura tão talentosa e imponente que o espectador não precisa saber suas motivações e pensamentos para poder lhe oferecer empatia? 

Nada do que foi apresentado me ajudou a entender ou aprender algo novo sobre Abel Tesfaye, sua arte ou seu processo criativo, nem me convenceu de que ele tem motivos para se considerar um grande herói, injustiçado pela vida e portador de tamanho sofrimento. E se Abel é mal desenvolvido, nem se fala de Anima – mal ouvimos sua voz nos primeiros 60 minutos de filme e a única coisa que sabemos sobre ela é o que está diretamente relacionado aos traumas do próprio Abel, como uma espécie de espelho de sua imagem – é provável que essa fosse a intenção, mas a ideia não foi apresentada de uma maneira minimamente convincente e Ani se tornou mais um aspecto do filme que se julga mais esperto do que realmente é.

Com cenas repetitivas e incrivelmente longas (apesar da falta de conteúdo), nem mesmo as atuações de Jenna Ortega e Barry Keoghan conseguem salvar a insipidez de seus personagens e a atuação de Abel deixa a desejar nas cenas que exigem emoções menos contidas (ele não é ruim, mas assim como todo o resto, tenta entregar mais do que tem a oferecer como ator). Se a esperança era que esse filme apagasse o gosto ruim que “The Idol” deixou, o resultado não poderia ter sido mais inverso. 

 

Por Júlia Rezende

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