8.4/10

Pobres Criaturas

Diretor

Yorgos Lanthimos

Elenco

Emma Stone, William Dafoe, Mark Ruffalo

Roteirista

Tony McNamara

Estúdio

20th Century Studios

Duração

141 minutos

Data de lançamento

01 de fevereiro de 2024

Uma jovem é trazida de volta à vida por um brilhante e heterodoxo cientista.

Yorgos Lanthimos não é, e nem nunca foi (e muito provavelmente nunca será) conhecido por seu convencionalismo. Muito pelo contrário, seu trabalho ao longo dos anos é marcado por seu afastamento do comum. Trabalhos como Dente Canino evidenciam um ponto de vista muito único sobre relações familiares, suas amarras e limitações e as possíveis consequências (ou medo delas) da influência externa, ambiental e social, na formação do ser humano. Enquanto seus trabalhos anteriores já podiam ser considerados inovadores, nada se compara ao que Yorgos consegue alcançar com Pobres Criaturas, elevando seu patamar para além do enredo e aliando a um estilo de direção absolutamente novo (o que é extremamente difícil de se encontrar hoje em dia) e completando com visuais especialmente inspirados. “Pobres Criaturas”, como um todo, não é nada como qualquer um dos filmes anteriores de Yorgos, mas mais do que isso, “Pobres Criaturas” não é como qualquer outro filme, ponto.

A obra é uma ficção científica, com muita fantasia, licenças poéticas, um novo e criativo mundo, amarrados numa trama que nasce de um evento tão fantasioso quanto (que eu não vou contar aqui, porque tiraria parte do encanto) e, ao mesmo tempo, em seu cerne, aborda questões absolutamente concretas sobre a condição humana. Dentre todos os trabalhos de Yorgos, esse talvez seja o mais audacioso no que tange o “worldbuilding”, a construção de um mundo imaginário, com seus abstratos e leis próprias para ciência, mas é também o mais palpável e relacionável, sem comprometer a visão e, principalmente o estilo próprio (e único), do diretor. 

Um filme como esse, focado num personagem central encarregado de contar (e nos levar junto) não somente a sua história, mas do universo ao seu redor e seu funcionamento, só é possível com um protagonista à altura e um profissional que saiba interpretá-lo. Emma Stone, cujo talento já fora comprovado diversas vezes (até mesmo com um Oscar), é a responsável por dar vida à Bella Baxter, e o faz de maneira hipnotizante numa performance eletrizante, polida e cuidadosamente moldada. Bella Baxter, de forma não convencional, mas estranhamente realista, passa, durante as 2h20 de filme, pelos pontos mais marcantes e cruciais da experiência humana. É impressionante a transformação, tanto física quanto mental de Bella, e também de Emma Stone, que passa por um desenvolvimento contundente, com mudanças sutis, mas visíveis e termina sua jornada no mesmo lugar, mas uma pessoa completamente diferente. 

William Dafoe faz o papel de Godwin Baxter, ou God como apelido, uma brincadeira um tanto literal com a palavra “Deus” em inglês, isso porque ele é sua própria espécie de criador e criatura, se suas cicatrizes são um indicativo. Uma mistura de Victor Frankenstein e o Monstro Frankenstein num só, assim como Bella e, entre eles, o relacionamento é paternal, mas como nada num filme de Yorgos Lanthimos é normal, esse relacionamento é regado de particularidades e contradições. Godwin é um homem da ciência, tem suas próprias questões e traumas com a sua criação, mas desenvolve por Bella sentimentos que permitem uma relação que se reflete em toda a jornada de Bella e sua relação também com o mundo e as pessoas que ela vem a descobrir. 

É uma visão crua da sociedade e do ser humano em busca de sua identidade e, acima de tudo, liberdade para se expressar e se desprender de conceitos impostos sem uma real justificativa, apenas para manter a “sociedade polida”. É ainda mais interessante a escolha de fazer desse, um filme de comédia. Novamente, não é uma comédia convencional, é um humor seco, desconfortável (como todo o resto), que aparece nas situações mais impróprias – e sempre funciona. O personagem de Mark Ruffalo, Duncan Wedderburn (que poderia facilmente ser um amigo de Ken, da Barbie), é responsável pelo humor mais “óbvio”, mas igualmente eficiente, além de representar, em si só, diversas forças do status quo da sociedade. Ao criar suas próprias leis e seguir suas próprias regras, mas com tantos elementos concretos e reconhecíveis, por vezes romantizados, eventualmente pessimistas, Lanthimos nos convida a passar, de certa forma, pelas mesmas fases de Bella e o resultado é uma história completa, estranha, mas divertida, e que faz refletir para que cada um chegue às próprias conclusões.

 

Por Júlia Rezende

9.5

Missão cumprida

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