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‘Você não precisa escolher um lado. Mas vai.’

Edward Snowden (Joseph Gordon-Levitt), um dos funcionários de grande acesso da NSA (Agência de Segurança Nacional norte-americana), expõe ao público técnicas ilegais de vigilância que a agência praticava entregando nas mãos da imprensa vários documentos extremamente sigilosos, causando assim pânico e surpresa entre a população e elevando a questão da invasão de privacidade a um nível talvez nunca imaginado. A direção é do experientíssimo Oliver Stone (de ‘JFK: A Pergunta que Não Quer Calar, ‘Platoon’ e ‘Nixon’). O roteiro foi escrito pelo próprio diretor juntamente de Kieran Fitzgerald (de ‘Dívida de Honra’), baseado nos livros de Anatoly Kucherena (‘The Time of the Octopus’) e Luke Harding (‘The Snowden Files’). Antes e durante as filmagens, Oliver Stone se encontrou algumas vezes com o verdadeiro Snowden (que está abrigado sob proteção na Rússia) em troca de informações que ajudassem o projeto a chegar cada vez mais próximo dos fatos e para ter certeza que seu roteiro não seria hackeado ou vazado, o escreveu em um único computador sem qualquer acesso à internet.

Para quem não sabe, a NSA foi criada com finalidade e funções relacionadas à inteligência de sinais, como interceptação e criptoanálise. Seu objetivo é basicamente prover a segurança da nação identificando planos dos outros países que podem se tornar possíveis ameaças (nucleares, terroristas e etc.) no futuro, possibilitando uma estratégia de defesa ou até mesmo antecipando com um ataque preventivo. Recentemente, o documentário ‘Citizenfour’ já havia abordado a história de Snowden e foi aclamado pela crítica, vencendo inclusive o Oscar de Melhor Documentário em 2015. ‘Citizenfour’ foi dirigido pela jornalista e cineasta Laura Poitras, que aparece no filme ‘Snowden – Herói ou Traidor’ sendo interpretada pela atriz vencedora do Oscar Melissa Leo. Por ser um dos cineastas mais envolvidos com questões políticas dentro e fora dos seus filmes – já fez alguns trabalhos sobre os presidentes Kennedy, Nixon e Bush, além de guerras e tragédias como a do Vietnã e o 11 de Setembro, por exemplo – Oliver Stone era de fato um dos diretores mais aptos a adaptar para o cinema essa atual e relevante questão que o filme aborda: o que vale mais, a privacidade ou a segurança?

Quem conhece os trabalhos anteriores de Stone sabe que economia e concisão não são palavras que o definem bem. Na verdade, o diretor costuma abordar seus trabalhos de forma bastante grandiloquente – haja vista ‘JFK’ e ‘Nixon’, que têm mais de três horas de duração cada – e essa característica também está presente aqui em ‘Snowden’, apesar de ter ‘apenas’ 2 horas e 14 minutos de duração. Sendo assim, por mais que o conteúdo e a discussão que o filme aborda sejam interessantes e relevantes, a verborragia e a quantidade de informações apresentadas ao espectador quase que ininterruptamente pode ‘afugentar’ algumas pessoas. Refletindo sobre o quanto a subtrama que envolve a relação de Snowden com sua futura esposa Lindsay Mills (Shailene Woodley) agrega para o filme, cheguei a conclusão de que foi importante Oliver Stone ter trabalhado esse lado mais humano do protagonista, pois através da interação dele com Lindsay e os altos e baixos do seu relacionamento, o diretor conseguiu agregar mais peso dramático para as ações do personagem. Em outras palavras, as pessoas mostram quem realmente são e no que acreditam através de ações e de relações com outras pessoas. Desta forma, embora tenha se arriscado pouco e desenvolvido a relação de forma um tanto previsível, Stone acerta ao trazer Snowden para o lado do espectador mostrando tudo o que ele teve que abrir mão para fazer a escolha certa (inclusive comprometendo sua felicidade).

A verdade é que ninguém gosta de ser espiado e ter sua privacidade ameaçada (exceto os participantes do Big Brother…) e o filme demonstra isso de forma muito sóbria e equilibrada. Pensando na proteção do povo a agência tem sua razão e ao descobrir a falta de transparência e de limites do governo para com as pessoas, Snowden certamente tem sua razão também. Não é à toa que alguns dos melhores momentos do filme acontecem quando o questionador protagonista diverge do responsável pela agência (interpretado por Rhys Ifans), em uma série de diálogos bem interessantes, por exemplo, ‘como as pessoas são afetadas a nível pessoal para interesse do governo’, ou se ‘para a segurança da nação os fins justificam os meios’, ‘o terrorismo é mesmo o alvo ou apenas uma desculpa para ter cada vez mais controle do mundo?’ e etc. Não dá para falar mais sobre a trama sem tirar o prazer do espectador (spoilers) que é conhecer um pouco mais da trajetória do protagonista desde quando entrou na agência, trabalhou para a CIA até ser acusado de trair o próprio país. Portanto, quem não acompanhou o escândalo na época ou ficou interessado pela história desse gênio autodidata pode assistir tranquilamente ao filme, pois ele é bem completo e dá um panorama claro e abrangente da situação para o espectador, de forma técnica, porém bastante didática.

Joseph Gordon-Levitt está incrível no papel principal. Embora não tenha tanta semelhança física com o verdadeiro Snowden, sua atuação como uma pessoa charmosa e inteligente, mas ao mesmo tempo fechada e sofrendo interiormente por saber de informações extremamente sigilosas que não pode confiar nem a pessoa mais próxima, acaba resultando em mais um grande trabalho do ator. Já Shailene – que herdou o papel de Magot Robbie por conflito de agendas – tem uma função muito mais de ‘sidekick’ para o protagonista e não chega a atrapalhar, mas também não se destaca muito. O elenco é bastante numeroso, contando com participações dos eficientes Nicolas Cage, Timothy Olyphant, Scott Eastwood, Tom Wilkinson e Zachary Quinto, além do já citado Rhys Ifans (um pouco canastrão, mas que convence justamente por seu cinismo combinar com a ideia de governo que o filme quer passar). Mesmo a título de curiosidade, a prova da dedicação de Stone com o projeto foi que, já com o orçamento bastante apertado e sem mais tempo para perder com as filmagens, o diretor perdeu o funeral da própria mãe para conseguir entregar o filme em tempo.

Dito tudo isso, cuidado ao assistir ‘Snowden’, pois a chance de ficar paranoico e sair cobrindo a câmera do notebook, do celular, vídeo-game e afins é grande. É recomendada bastante paciência para aproveitar melhor a obra, por se tratar de um filme muito informativo e que pode cansar um pouco as plateias de hoje em dia, sedentas por informações mais ágeis. Como eu havia mencionado, mesmo não se arriscando muito (e como alguns dos críticos mais ferrenhos do diretor costumam acusá-lo de misturar muita ficção com os fatos), ainda assim é um filme de tema totalmente relevante e que faz pensar, e até por conseguir isso já merece ser visto. Um dos casos mais polêmicos do século 21, que apesar de contar com um documentário realmente excelente lançado há pouco tempo, vale a pena pela direção segura de Stone e por boas atuações. Destaco inclusive alguns bons momentos, como um diálogo entre Gordon-Levitt e Rhys Ifans enquanto caçam patos, onde os dois demonstram o controle da cena e consequentemente que cada um tem sua razão ao defender o que acredita e uma outra cena que vai para o ‘momento apimentado’ mais abaixo. A história de um homem que arriscou tudo
para fazer o que era certo.

UM MOMENTO APIMENTADO: Em uma cena onde Snowden discute com o chefe da agência em um enorme telão, o tamanho menor do jovem reforça o quão pequeno ele é lutando contra um poder muito mais forte e ameaçador. Um verdadeiro Davi contra Golias.




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