SINOPSE

“Tangerines / Mandariinid” (2014) é um filme estoniano, sobre os conflitos ocorridos no início dos anos 90, na Abecásia. É um dos longa-metragens estrangeiros mais humanistas que concorreram ao Oscar em 2015 ao lado de Timbuktu (2014), por abordar um tema ainda muito presente atualmente, de uma forma bastante reflexiva e expressiva. Em tempos de atentados como o do “Charlie Hebdo”, talvez seja um dos filmes antibelicistas mais oportunos, sobre o assunto, lançados nos últimos anos, por discutir guerras étnicas, separatismo e religião, sem “demonizar” nenhuma cultura.

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Com o início da guerra, a maioria dos estonianos que viviam na Abecásia retornaram para seu país. Ivo (Lembit Ulfsak), um homem já de idade avançada, permanece na região, para entre outros motivos, construir caixas de madeira e ajudar o amigo produtor de tangerinas, Margus (Elmo Nüganen) a transportar e vender suas frutas. Apesar de Ivo ajudar Margus com a intenção de conseguirem algum lucro para o seu sustento, com a venda dos cítricos, os dois tem intenções diferentes para quando terminarem a colheita. Enquanto o segundo pretende ir embora da região, o primeiro quer ficar, pois viveu a vida inteira naquela casa e não vê sentido em sair dali, deixando todo o seu passado para trás, mesmo tendo uma neta que o espera na Estônia. Apesar de não ter interesse nenhum em participar da guerra, após um tiroteio entre soldados, Ivo salva a vida do checheno Ahmed (Giorgi Nakashidze), que é mulçumano e do georgiano Niko (Misha Meskhi), que é cristão, abrigando os combatentes inimigos em sua casa, tratando os dois da mesma forma sem julgá-los por suas participações na guerra. No início um tenta assassinar o outro, como vingança pela morte dos companheiros, mas eles acabam respeitando o teto de seu anfitrião e o tempo e o convívio causam transformações nos dois.

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A tenção entre os personagens é sentida pelo espectador a cada farpa trocada, ficamos esperando que eles se engalfinhem o tempo todo. A identificação com o público é construída conforme as cenas e diálogos vão ocorrendo, fazendo com que notemos que as pessoas envolvidas são apenas “demasiadas humanas”. Entendemos os preconceitos, medos e motivos de cada um, ao mesmo tempo em que nossos próprios pré-julgamentos caem por terra.

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E é com este espírito de confraternização entre antagonistas que o longa-metragem é construído. O filme europeu coproduzido por vários países, Feliz Natal / Joyeux Noël de 2005, abordava a guerra como tema, de uma forma muito parecida, mas em uma escala maior, por retratar grupos mais numerosos de cada lado. A atmosfera de Tangerines é mais intimista, o que faz com que nos coloquemos no contexto dos protagonistas e nos conectemos, quase como se estivéssemos sentados a mesa com eles, discutindo suas visões e argumentos.

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Mandariinid não é tecnicamente tão esmerado como o vencedor do Oscar Ida (2013) ou causticamente engraçado como Relatos Selvagens de 2014, até por que seu orçamento é muito menor. Porém a falta de recursos não diminui a obra de forma alguma, pois esta dificuldade é utilizada em favor da história. O cenário desértico, empoeirado, num vazio rural é o que situa a narrativa num lugar qualquer, mas muito familiar para quem já viajou para locais fora dos grandes centros, o que impede que nos distanciemos psicologicamente dos acontecimentos e conflitos retratados, sem cair no erro de pensar que não temos nada em comum com aquele contexto. O enredo pode ser facilmente imaginado em qualquer pequena cidade e os personagens bem poderiam ser aqueles nossos parentes que vivem no interior.

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O elenco desconhecido no mundo do cinema, pelo menos fora do país de origem é muito alinhado e confortável em cena. O fato de nunca termos visto seus rostos em tela não os torna mais estranhos a nós. Todos podem facilmente lembrar uma pessoa próxima das nossas relações pessoais, pela maneira natural e doméstica que atuam. Isto é corroborado pela direção de Zaza Urushadze, que deixa os atores livres para expressarem as ações de cada personagem, de acordo com as suas interpretações, sem parecer artificial em nenhum momento. O ambiente de reconciliação é reforçado por uma trilha sonora muito suave e agradável que embala o longa, transmitindo uma sensação de esperança, apesar dos acontecimentos trágicos do roteiro. Em sua 1 hora e 27 minutos, passamos por diversos sentimentos acerca da história, chegando a esquecer que se trata de uma narrativa de guerra em alguns momentos e sendo trazidos de volta a realidade, toda vez que um grupo de soldados, seja de qualquer lado, amigos ou inimigos, passa pela casa procurando os sobreviventes.

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Após a anexação da Criméia pela Rússia, o medo da guerra e de invasões na Estônia, como em outros países que pertenceram a União Soviética, ainda é muito presente. Isto é reforçado pelo fato de o país ter um terço de sua população de origem russa e pelas sansões que sofreram de Moscou em 2007, por terem retirado a estátua de bronze de um soldado soviético que simbolizava para os russos a vitória sobre os nazistas e para os estonianos o início da ocupação soviética, que terminou em 1991. Recentemente foi exibido no país um documentário/reportagem, que os preparava para uma possível guerra contra a Rússia, instruindo como reagir e proceder. Com os conflitos na Ucrânia e com o Estado Islâmico, provavelmente histórias reais, parecidas com a de Mandariinid, vão continuar ocorrendo por muito tempo e o filme que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro, vem nos lembrar que há um ser-humano por trás de cada arma.

Trailer do filme:

 

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