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“Dinheiro, corrupção e o sonho americano”. Baseado em um artigo de Guy Lawson para a Rolling Stones, o diretor responsável pela trilogia ‘Se Beber, Não Case!’, Todd Phillips, decidiu adaptar para o cinema a história de dois amigos que conseguiram um contrato milionário para negociar e enviar armas para os aliados norte-americanos no Afeganistão, durante a Guerra do Iraque. O filme é baseado em fatos reais e conta a história de David Packouz (Miles Teller) e Efraim Diveroli (Jonah Hill), amigos de infância que se reencontram em um funeral e passam de comedores de migalhas a “traficantes” de armas, de certa forma lucrando com a Guerra. Parceiro de Todd Phillips, o ator Bradley Cooper também faz uma participação especial no filme, assim como a bela Ana de Armas (sobrenome conveniente), que interpreta a namorada de David. Detalhe também para o pôster do filme, que não apenas funciona como uma paródia do clássico ‘Scarface’ (1983), de Brian de Palma, mas também indica que o diretor se inspiraria em vários diretores (como Scorsese) durante o filme. Mas será que a “homenagem” deu certo?

Já posso adiantar que Todd Phillips surpreende bastante aqui. Tanto os trailers quanto o próprio elenco escolhido para o filme davam a entender que teríamos uma comédia “buddy film” com várias piadas, além de situações inusitadas e confusas, que são a marca do diretor, mas a verdade é que ‘Cães de Guerra’ se propõe a ir muito mais além. Basicamente são dois filmes diferentes, separados pelo que poderíamos chamar de causa e efeito. A causa é o início super engraçado apresentando os personagens, onde logo percebemos que Miles Teller terá não apenas uma transformação interior mais explorada, como sua vida pessoal será mais influenciada pelos fatos que irão acontecer. Já Jonah Hill é apresentado exatamente como esperávamos, o ator tem bastante espaço para ‘sacanear’ à vontade e conquista logo de cara, com sua risada ‘a lá’ Nelson, de ‘Os Simpsons’. O filme traça um paralelo com a reeleição de Bush em 2005 e brinca de forma irreverente com a dupla de protagonistas, dois judeus lucrando com uma Guerra em nome dos EUA. Portanto, até um pouco mais da primeira metade do filme estão os melhores momentos, onde a direção claramente mostra que domina totalmente o gênero. O efeito é que nos quarenta minutos finais, o filme se leva muito mais a sério, e aí as coisas saem um pouco dos trilhos.

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Algumas referências (intencionais ou não) que Todd Phillips coloca no filme funcionam bastante, como a narração que acompanha a trama, que remete bastante a ‘Os Bons Companheiros’ ou ‘Cassino’, de Scorsese. No âmbito “empresarial”, digamos assim, o personagem de Jonah Hill lembra em vários momentos o de Ben Affleck no subestimado ‘O Primeiro Milhão’ (2000), que por sua vez, parece ter sido inspirado no personagem de Alec Baldwin em ‘O Sucesso a Qualquer Preço’ (1992). Há até uma cena, na qual a empresa recruta novos candidatos que comprova perfeitamente essa referência. Embora a direção não arrisque muito nos enquadramentos e na composição das cenas, Phillips adiciona algumas frases que servem como uma espécie de subtítulo e dividem o filme em alguns capítulos. Essa foi uma ideia muito boa porque brinca com a expectativa do espectador, pois quando ele descobre para que servem as frases, automaticamente tenta adivinhar o que vai acontecer mais à frente.

O verdadeiro Efraim Diveroli recusou se encontrar com Jonah Hill, dando a entender que não gostou nem um pouco da escolha. Mas a verdade é que ‘Cães de Guerra’ não funcionaria sem este ator, pois seu estilo de humor sem muita “classe” – na falta de palavra melhor – é que conquista o espectador tornando seus personagens mais rebeldes e imprevisíveis. Prova disto, é que quando a trama fica mais séria e o drama familiar de Miles Teller ganha mais tempo de tela, o filme vai ficando bastante monótono, tanto pelo fato da trama do tráfico de armas ser um milhão de vezes mais interessante do que o relacionamento dele com a namorada, quanto pelo fato de que Ana de Armas é uma atriz bastante limitada e Todd Phillips não soube como encaixá-la de forma relevante para a história (em outras palavras, ela é meio que “descartável”…). Até porque a atriz parece ter apenas uma expressão, aqueles (belos) olhos marcantes arregalados, quando está feliz, triste, zangada, etc. Portanto, não é que a relação dos dois não convença, mas acaba sendo irrelevante. Sem mencionar que o próprio Miles pode funcionar muito bem naquele papel de ‘cara normal’ ou ‘outsider’, mas não serve para o humor, o que também acaba sendo um problema, porque todas as piadas de que o filme precisa ficam nas costas de Jonah Hill, o sobrecarregando e correndo o risco de torná-lo enjoativo.

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Se há mais um ponto onde ‘Cães de Guerra’ acerta é na trilha sonora. Desde o sutil humor negro quando um personagem toca ‘Don’t Fear the Reaper’ para idosos em um asilo, até uma perseguição espetacular em Fallujah, no Iraque ao som de ‘Fortunate Son’, a seleção de músicas conta com The Who, Pink Floyd, Iggy Pop e etc, e realmente são um show à parte. Sendo assim, no geral o saldo final é positivo pela excelente primeira parte e pela ousadia de Phillips na direção. Embora a execução não tenha sido tão boa quanto poderia, mostra que o diretor se arriscou ao sair da sua zona de conforto e se preocupou em não fazer mais uma comédia apenas por fazer, mas usar essa questão de como algumas licitações do exército chegam para negociantes de armas que muitas vezes não têm noção da dimensão e da importância do que estão fazendo. Não me lembro agora de nenhum outro filme que tenha tocado no assunto desta forma, e filmes que estimulam a discussão sobre novos assuntos são sempre muito bem-vindos. Relevando o final que se leva a sério demais e destoa um pouco, ‘Cães de Guerra’ promete boas risadas, ótimas músicas e uma história bem bacana e inusitada.




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