O clássico produtor da New Hollywood, Robert Evans, quando se comprometeu com ‘Chinatown’ (1974), procurou refazer a incômoda atmosfera dos filmes noir do pós-guerra e suas prerrogativas de dúvida quanto a constituição do tecido social norte-americano. Para isso queria um diretor europeu encabeçando a produção; alguém que tivesse um olhar cínico e cheio de vivências sobre a falência das instituições, família, governo e órgãos de segurança. Ninguém melhor do que Roman Polanski, um polonês nascido na França da ascensão fascista, que conheceu a miséria das ruas da Cracóvia após a mudança dos seus pais judeus a sua terra natal.

January 1969: Paris-born Polish film maker, Roman Polanski. (Photo by James Jackson/Evening Standard/Getty Images)

Sempre que se toca no seu nome, passamos pelos fatos que envolvem sua vida pessoal recente, suas condenações por pedofilia e sua fuga para Suíça; suas brigas judiciais e vida privilegiada, mas não é isso que nós do Pipoca De Pimenta queremos apresentar aqui, pois a obra de Roman Polanski está entre os grandes feitos do cinema norte-americano, e por isso indicaremos uma breve apresentação de alguns de seus clássicos que permeiam quase exclusivamente os mesmos temas, o que não faz dele um “autor”, e isto não é uma crítica, porque de meu modesto ponto de vista, cinema só se provou perene, quando tem consciência de que é um trabalho colaborativo, entre produtor, diretor, roteirista e toda uma gama de profissionais que não deve ser esquecida.

O citado ‘Chinatown’ só foi a consagração americana de uma tendência que o diretor já mostrou em ‘Repulsa ao Sexo’ (1965), um thriller altamente psicológico que colocava Catherine Deneuve na posição de uma jovem problemática quanto à figura masculina e a representação do poder e violência vista em seu namorado, tornando sua falta de prazer sexual em violência quanto ao sexo oposto.

Chinatown-1 Cena de ‘Chinatown’

Em 1974 o neo-noir estrelado por Jack Nicholson não foi um estrondo imediato, mas a complexa rede de intrigas envolvendo o sistema de distribuição de água da Califórnia chegava até um berço incestuoso da família Cross, vivida aqui por John Huston e Faye Dunaway, culminando em um final novamente impactante e violento, pois sexo novamente estava associado a uma disputa de poder. Hoje o filme está na lista dos maiores da história.

Em ‘Lua de Fel’ (1992) um aspirante a escritor (Peter Coyote) se apaixona pela Paris literária e suas mulheres, até conhecer Mimi (Emmanuelle Seigner), uma ninfeta inocente como menina e estrondosamente sensual, como se fosse uma reprodução mais madura de Lolita de Nabokov, o que gera uma atmosfera de prazer e crime, loucura e desejo, como se o romantismo associado ao sexo livre estivesse morto, quase como um moralismo tardio dos anos 60.

FEL 06 Cena de ‘Lua de Fel’

O seu favorito trabalho, por questões muito pessoais é ‘O Pianista’ (2002) onde o talentoso Wladyslau Szpillman (Adrien Brody) luta por sua sobrevivência vagando nos guetos da Polônia entre ameaças nazistas e a fome contundente. Um retrato autêntico da vontade de sobreviver sem heroísmo, nem figuras salvadoras, pois não é a Segunda Guerra romântica de Spielberg, como em ‘A Lista de Schindler’, o que deu a Polanski sua estatueta do Oscar de melhor diretor.

o-pianista Adrien Brody em ‘O Pianista’

Finalmente chegamos aos dois últimos grandes filmes entre 2010 e 2013, ‘O Escritor Fantasma’ e ‘A Pele de Vênus’, em que o primeiro mostra um Polanski energético, com muita sagacidade e controle da edição, cinematografia e trilha sonora. O pano de fundo está na paranóia das quatro paredes de uma casa onde se hospeda o primeiro-ministro Adam Lang (Pierce Brosnan), um auter-ego de Tony Blair acusado de aprovar ações militares criminosas contra prisioneiros no Oriente-Médio, e tudo aqui está calcado no que não se diz, ou não se mostra, ou seja, uma aula de direção.

the_ghost06 Pierce Brosnan e Ewan McGregor em ‘O Escritor Fantasma’, de 2010

Em ‘A Pele de Vênus’, sua própria atual esposa Seigner contracena com Mathiel Amauric que é aqui um diretor de uma peça homônima ao título que precisa de uma atriz. A habilidade de segurar os diálogos entre os dois durante o filme inteiro é absurdamente genial, contrapondo arte com luxúria e dominação através do talento, e mais uma vez a disputa aguerrida entre os sexos.

pele-de-vc3aanus-2 Roman Polanski dirigindo ‘A Pele de Vênus’, de 2013

Embora sua obra seja vasta, estes são seus temas primordiais e talvez tristemente o reflexo de sua vida, mas a arte tem dessas coisas.

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