No “Fantaspoa” (Festival internacional de cinema fantástico de Porto Alegre) são apresentados filmes de horror, thriller e fantasia, sendo que esta última categoria tem poucos representantes no circuito, cujo foco principal são as duas primeiras. Então ao se deparar com “Os últimos sobreviventes” (Last Survivors, 2014), um longa-metragem de temática futurística e apocalíptica, tem-se uma grata surpresa, capaz de cativar públicos que nem sempre foram contemplados pelo evento.
A história acompanha a jovem de 17 anos Kendal (Haley Lu Richardson), que num futuro não muito distante luta para sobreviver em um mundo onde a água é escassa, originando ganância e confrontos sangrentos. Ela vive em uma fazenda no desértico e desolado vale do Óregon, com seu amigo Dean (Booboo Stewart), um garoto com problemas renais sérios. Eles fazem de tudo para manter o último poço da região funcionando, para isso devem enfrentar a tirania e a ambição sangrenta do poderoso Carson (Jon Gries, conhecido por seu papel de tio Rico em “Napoleon Dynamite”, 2004), detentor de um campo de extração do aquífero local. Ele acredita que a água daquele lugar lhe pertence, por isso usa os meios mais violentos possíveis para impedir os fazendeiros de preservarem e usarem seus poços.
Esse subgênero de filmes pós apocalípticos em futuros distópicos têm originado vários longas, especialmente nos últimos cinco anos. Todos inclusive, baseados em roteiros adaptados de livros direcionados ao público adulto-jovem, que tem gerado franquias de grandes lucros aos estúdios de Hollywood; são os casos do interessante Jogos Vorazes (2012) e do apático, Divergente (2014). Essas produções, assim como “Os últimos sobreviventes”, fazem uso de garotas com personalidade forte como protagonistas, felizmente refletindo novos tempos de valorização da mulher para a indústria do cinema.
A “saturação” destas histórias de garotas adolescentes, guerreiras e destemidas, poderia fazer de ‘The Last Survivors’ só mais uma dentre tantas. Porém, a surpresa com ele foi muito positiva dentro da gama de filmes que o Fantaspoa proporcionou em 2015. Ao longo dos seus pouco mais de 95 minutos vemos uma boa história de aventura e ação, onde a direção do estreante Thomas S. Hammock é convicta, com uma competente condução de ritmo, fato importante para um longa-metragem deste gênero. A fotografia tem um tom claro e árido para reforçar o clima da seca do lugar e a trilha sonora, também, complementa bem os momentos de tensão e de confronto.
O roteiro assinado por Jacob Forman, que já havia se destacado com “Tudo por ela” (All the Boys Love Mandy Lane, produção de terror/suspense de 2006) é hábil, sua linha narrativa faz as ações do longa terem sempre uma justificativa amarrada, por questões principalmente relacionadas a sobrevivência dos personagens. Quanto ao elenco, que conta com alguns rostos conhecidos, como os atores Michael Welch e Booboo Stewart da saga crepúsculo, além do já mencionado Jon Gries, a distinção fica mesmo para a protagonista Haley Lu. Ela demonstra naturalidade e charme de uma atriz promissora, que consegue sustentar a película praticamente sozinha. Fica a torcida por vermos mais papéis desta garota.
‘Last survivors’ foi um dos vários filmes com sessões comentadas no festival gaúcho, contando com a participação de seu roteirista. Em conversa com o público ele disse que a ideia da história surgiu em duas viagens. Primeiro a Las Vegas, onde ele e o diretor Thomas S. Hammock divagaram sobre como seria um mundo onde as pessoas viveriam no deserto, com pouca água. Em outro momento, já possuindo um esboço da história, na parte árida do Novo México eles definiram alguns detalhes mais específicos de como seria esse mundo de escassez hídrica. Com muitas influências dos Faroestes (Western) e de “Mad Max”, que coincidentemente teve a estreia de seu quarto filme no mesmo final de semana em que o ‘Os Últimos Sobreviventes’ foi exibido na mostra fantástica. Esse aliás, considerado um dos “pais” do cinema pós-apocalíptico, tanto que, segundo admitiu Forman é uma das fontes de inspiração de seu filme.
Apesar de existirem alguns problemas técnicos, como o uso perceptível do CGI (Computer-Generated Imagery, recurso que usa inserção de imagens ou reparos através de computação gráfica) em algumas cenas, é muito bom ver um projeto superar sua principal barreira, o orçamento módico. Ainda assim, utilizando a criatividade e inventividade, características do cinema independente, consegue entregar um filme que diverte e entretém de forma muito eficaz. É uma pena que apesar de o roteirista Jacob Forman ter revelado que existem algumas propostas para o filme ser distribuído nos cinemas de circuito comercial dos Estados Unidos, dificilmente ele chegue as salas brasileiras.
TEXTO: Priscila Cardoso Fraga
EDIÇÃO E REVISÃO: Felipi Vidal Fraga
O diretor, Thomas S. Hammock, eu confesso que conhecia apenas como diretor de fotografia de algumas películas. Mas me impressionou, pois o filme é um feroz libelo contra o desperdício e o inevitável monopólio da água.
Foi o primeiro trabalho que vi da atriz Haley Lu Richardson, de quem jamais ouvira falar. Linda e muito talentosa, logo conquista a torcida do espectador. É um prazer assistir ao filme. Ainda que não faltem produções apocalípticas, o mérito dessa é ficar numa linha bem próxima da realidade. Algum evento provoca a escassez, mas nada é sugerido, deixando à imaginação do espectador buscar causas. Claro que hoje, com problemas como efeito estufa, aquecimento global, poluição, desequilíbrios climáticos e quejandos, motivos não faltam para que a triste realidade mostrada no filme seja cada vez mais próxima.
Outro mérito da produção é escancarar a ganância humana, na figura do tal barão monopolizador da água. Ele tem acesso ao líquido, dispõe até de uma estação de tratamento, mas não se contenta com isso: busca o poder via controle da água; quem não se sujeita simplesmente é aniquilado. Acho que não vai demorar para assistirmos a situações semelhantes, quando extremistas começarem a cortar suprimento de água, em vez de petróleo.
Infelizmente, a tecnologia utilizada para dessalinizar a tão abundante água oceânica ainda é caríssima. Mas é bom os cientistas se debruçarem com mais intensidade neste esforço, pois sabemos o quanto são cada vez mais escassas as fontes terrestres de água doce. Melhor gastar em pesquisa agora, do que em armamentos mais tarde, para defender os mananciais.