6.8/10

Priscilla

Diretor

Sofia Coppola

Gênero

Drama

Elenco

Cailee Spaeny, Jacob Elordi, Ari Cohen

Roteirista

Sofia Coppola

Estúdio

A24

Duração

113 minutos

Data de lançamento

04 de janeiro de 2024

Quando a adolescente Priscilla Beaulieu conhece Elvis Presley em uma festa, o homem que é uma estrela meteórica do rock se torna alguém totalmente inesperado em momentos íntimos.

Um relacionamento abusivo pode ter várias caras, e a grande maioria nem ao menos parece abusiva para qualquer pessoa que a observe com um pouco de distância ou com pouco discernimento e isso só piora se o foco estiver em apenas uma das partes do relacionamento – e ela for a parte dominante. Elvis é um dos nomes mais conhecidos do planeta, geração após geração, a imagem do Rei do Rock permanece inabalável como um dos maiores nomes da música. Recentemente, tivemos o filme “Elvis”, de Baz Luhrmann, que aprofundou (pelo menos um pouco) o conhecimento geral sobre alguns aspectos da vida do artista, mostrando seus desafios, sua relação tóxica com o Coronel, a perda de sua mãe, o vício que (entre outras coisas) levou ao fim de seu casamento e, eventualmente, ao fim de sua vida. O casamento, que também ficou famoso, é mostrado como mais um capítulo dessa história que fugiu do controle de Elvis por conta de fatores externos, alheios à sua vontade.

Com Priscilla, Sofia Coppola inverte o holofote e coloca a esposa de Elvis sob à luz pela primeira vez. A diretora (também responsável pelo roteiro, baseado na autobiografia de Priscilla) tem um estilo próprio que evidencia o estudo de personagem, como o clássico cult Maria Antonieta, e aí ela coloca em prática todos seus melhores atributos para contar uma história honesta de uma mulher que teve uma enorme e decisiva parte de sua vida “sequestrada” por uma fama que nunca foi dela e por um homem que já tinha tudo, mesmo sem ela. “Priscilla” é um filme que teria força em qualquer momento, mas o timing de ter sido lançado após “Elvis” traz à tona comparações inevitáveis, mas também muito oportunas e nos dá a chance de observar contrastes de narrativa e de cinema.

Todos os acontecimentos negativos presentes em “Elvis” aparecem também em “Priscilla”, mas sob um prisma diferente. Aqui, Elvis ainda é uma vítima de muitas circunstâncias, mas isso não exclui o fato de que, em suas mãos e para os seus desejos, Priscilla acabou sendo vítima também, e em proporções maiores. A primeira cena do filme é Priscilla andando descalça sobre um tapete cor de rosa e imediatamente somos remetidos à uma ideia de infantilidade, que se concretiza quando conhecemos a Priscilla “de antes”, antes de Elvis, antes do casamento, antes da fama. Ela era apenas uma garota, ainda no ensino fundamental, com 14 anos de idade. Seu pai estava servindo ao exército na Alemanha e a família vivia numa base no país, quando ela foi abordada por um oficial que era responsável pelo entretenimento e lhe chama para uma reunião na casa de Elvis, que também estava servindo na Alemanha e, com saudades de casa, organizava eventos para os americanos que estavam por lá. A todo tempo somos lembrados, sutilmente, da idade de Priscilla: ela vai na festa, mas com não sem antes pedir permissão para os pais, momentos de festas e glamour ao lado de Elvis são interrompidos por sua dificuldade de se manter acordada durante a aula.

Até o primeiro encontro entre Elvis e Priscilla diz muito sobre o futuro relacionamento dos dois, Elvis já era um homem com seus 24 anos, já conhecia a fama e sua influência sobre a juventude como astro da música, o que se traduziu esteticamente na figura de Jacob Elordi, ator escolhido para viver o artista e que tem quase 2 metros de altura. Quando estão de pé, um de frente para o outro, ele paira sobre ela em tamanho físico, mas também com toda a bagagem que já carregava antes de conhecê-la. Até aquele momento, nada de excitante tinha acontecido na vida de Priscilla e, de repente, ela não só estava na casa de Elvis Presley, como também estava sendo alvo de sua atenção. É fácil se deixar levar.

É fácil se deixar levar e é por isso que uma adolescente de 14 anos não é 100% responsável por suas ações, é para isso que servem, ou deveriam servir, os pais. Depois de se conhecerem, Elvis e Priscilla passaram a se encontrar regularmente – pelo menos até Elvis voltar para os Estados Unidos e para sua carreira. Ele tinha toda uma vida além dela, mas o mundo de Priscilla girava em torno de Elvis mesmo quando ele não estava lá, salvo algumas ligações esporádicas que insistiam que ele ainda a amava e eles logo estariam juntos novamente, mesmo que manchetes de jornais e tablóides diziam que ele já tinha seguido em frente algumas vezes, mas Elvis tinha uma imagem estática de Priscilla em sua mente, dizia para ela que com ela era diferente e, considerando que eles acabaram se casando, talvez ela fosse mesmo. Tanto que Elvis realmente voltou para buscá-la, ou melhor, mandou buscar.

Ainda menor de idade, Elvis fez um acordo com os pais de Priscilla para que ela voltasse para os Estados Unidos e morasse com ele em Graceland e foi nesse momento que Priscilla, sem saber, abdicou de uma vida plenamente dela para viver a realidade criada para ela por Elvis. É uma história que requer sensibilidade da direção para ser contada porque os abusos que formaram a vida adulta de Priscilla foram, em sua maior parte, sutis e “disfarçados”, mas Sofia Coppola sabe contar história e nuances com o que não é dito e sim mostrado, e a atuação de Cailee Spaeny contribui para essa construção. Sua transformação entre Priscilla menina, Priscilla do Elvis e uma Priscilla que, enfim, pertence a si mesma, é gradual, mas abrupta quando necessário. A atuação de Elordi também vale o destaque, ele faz um Elvis firme, mas vulnerável, com uma agressividade reprimida e, sem recorrer à cópia ou à imitação, é convincente como astro, mas também como um coadjuvante nessa história.

 

Por Júlia Rezende

9

Missão cumprida

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