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‘Baseado na incrível história real’.

Resumo:
Um desiludido soldado confederado durante a Guerra Civil norte-americana se torna um desertor ao retornar para o Mississipi para liderar uma milícia juntamente com outros desertores, além de escravos que fugiram e mulheres, lutando contra a tirania do governo local corrupto e explorador. Este é o quarto filme dirigido por Gary Ross, de sucessos como ‘Seabiscuit: Alma de Herói’ e o primeiro ‘Jogos Vorazes’. Ross, inclusive, é um roteirista bastante respeitado – possui três indicações ao Oscar de Melhor Roteiro, incluindo o clássico ‘Quero Ser Grande’, além de outra indicação de Melhor Filme por ‘Seabiscuit’. Aqui em ‘Um Estado de Liberdade’, Ross adapta o roteiro do argumento de Leonard Hartman.

Quais temas o filme aborda?
A história se baseia no caso real do Condado Livre de Jones, uma das regiões sulistas que se separaram ou ameaçaram se separar da Confederação durante a Guerra Civil. Houve rebeliões em outros estados além do Mississipi, como no Alabama, Tenessee e Arkansas, por exemplo, mas essas não são mencionadas no filme. Obviamente, o tema da escravidão e do preconceito é muito presente durante o filme, especialmente com relação à falta de direitos que os negros tinham na época, separados de suas famílias, sem direito a voto ou opinião em qualquer assunto, vivendo realmente como uma mercadoria dos grandes fazendeiros.

Mas há também outra importante crítica social: o pobre e trabalhador sendo obrigado a lutar a guerra dos ricos. A desigualdade era tão explícita que chegava ao absurdo de aquele homem que possuísse 20 escravos ser liberado da guerra, enquanto os que não praticavam a cultura da escravidão ou não tinham condições financeiras estáveis eram obrigados a servir indefinidamente, o que muitas vezes significava não voltar para casa com vida, graças a brutalidade dos confrontos. Como o preconceito tanto racial quanto social infelizmente ainda são muito presentes na nossa sociedade, a temática do filme é essencial para mostrar que mesmo com o fim da escravidão o ser humano evoluiu, mas nem tanto assim, pois os menos favorecidos permanecem sendo explorados de várias outras formas.

Roteiro, personagens e atuações:
Olhando para Newton Knight – o protagonista do filme – interpretado por Matthew McConaughey, é compreensível seu desejo em dar um basta na situação e se rebelar contra o sistema. Ele atuava como enfermeiro na guerra, mas sabia que não conseguiria ajudar as pessoas estando naquela posição, a serviço de um governo corrupto, que só pensava em enriquecer os fazendeiros. Newton era um homem religioso, que está lutando uma guerra na qual não acredita e ainda tem o peso extra da responsabilidade que é proteger um jovem parente que fora recrutado. Como sempre lutou a luta dos outros, decidiu se rebelar e lutar por uma causa própria, propondo a liberdade entre todas as pessoas, independente de cor da pele ou sexo.

O roteiro do filme intercala basicamente duas histórias. Uma, obviamente, é a do Condado de Jones e a outra é um julgamento de um homem que ocorre na década de 50. Talvez o que o diretor tenha tentado passar com a história do julgamento foi reforçar o que eu mencionei no parágrafo anterior, que mesmo décadas após a abolição da escravidão, o preconceito continuou (e continua) muito presente na sociedade. Mas convém dizer que esses ‘flashforwards’ (o contrário de flashbacks) não agregam muito para a história do condado em si e acabam contribuindo para aumentar a duração do filme e torná-lo um pouco mais cansativo. O filme retrata o protagonista Newton basicamente como um anti-herói e parece usar grandes épicos históricos como fonte de inspiração para sua abordagem (há momentos em que lembra ‘Dança com Lobos’, ‘Gladiador’ e do segundo ato em diante é praticamente uma nova versão de ‘O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford’).

Matthew McConaughey está muito bem no papel principal, realmente passa muita credibilidade ao personagem e conseguimos entender de forma clara seus objetivos e ideologias dentro da história. Outro destaque é Mahershala Ali (de ‘House of Cards’) como Moses, um escravo que foi separado da esposa e filho e fugiu na esperança de um dia reencontrá-los. Nos momentos mais viscerais do filme, onde a história exige uma atuação bem dramática e convincente, ambos os atores entregam isso com muita intensidade. Os personagens coadjuvantes não têm tanto destaque dentro do roteiro, mas as atuações do elenco de apoio também não comprometem o saldo final do filme.

Fotografia e direção de arte:
A fotografia e a direção de arte contam com belos campos verdes e enormes casas brancas de madeira que ambientam perfeitamente a história, sendo muito bem fotografados pelas lentes do diretor de fotografia Benoit Delhomme (de ‘O Menino do Pijama Listrado). Certamente a reprodução da época é bem fiel e os detalhes foram muito bem pensados.

Os campos de batalha – que foram filmados no estado da Louisiana –, apesar de aparecerem em cenas pontuais e econômicas, são extremamente realistas e rendem os momentos mais impactantes do filme (como na cena de abertura), onde claramente a intenção do diretor foi de ‘chocar’ o espectador mostrando a crueldade e os horrores da guerra. Nos momentos mais dramáticos e de grandes dilemas, o diretor utiliza muitos closes para enfatizar a emoção dos atores, e funcionam muito bem graças a ótima contribuição do elenco como eu mencionei anteriormente.

Controvérsia:
Há certa controvérsia quanto ao valor histórico que Gary Ross expressa no filme. O livro ‘Legend of the Free State of Jones’, de Rudy H. Leverett argumenta que os cidadãos do Condado de Jones apoiavam esmagadoramente a Confederação, fazendo com que a rebelião retratada no filme soasse muito mais exagerada do que realmente foi. Leverett, inclusive, retratou Newton Knight muito mais como um ‘fora-da-lei’ do que como um homem com intenções nobres e que pregava a liberdade a todos.

A referência ao personagem ‘Jesse James’ vai além da época onde as duas histórias ocorreram (foram ao mesmo tempo, mas em lugares diferentes) e de características entre os personagens, inclusive a música “What Must Be Done”, composta por Nick Cave e Warren Ellis também está presente na trilha sonora de ‘O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford’.

Direção e conclusão:
‘Um Estado de Liberdade’ tem um ritmo bastante lento e paciente, podendo afugentar alguns espectadores por conta disso. Mas é bem nítido que foi propositalmente construído desta forma pelos realizadores. Gary Ross é um diretor bastante seletivo e dificilmente erra nos projetos em que se envolve. O filme tem momentos pontuais mais impactantes que servem para dar uma ‘chacoalhada’ e que são muito bem dirigidos, como a abertura impactante com corpos mutilados, além de metáforas visuais interessantes.

Algumas delas são uma cena onde um personagem anda cuidadosamente pelo pântano, podendo indicar que ali ‘você precisa saber onde pisa’, ou outra onde um personagem aparece enquadrado debaixo de uma árvore, indicando que pode ter um final ‘não muito agradável’. São detalhes que por vezes passam despercebidos, mas que para quem os percebe enriquecem ainda mais a experiência de assistir a um filme. Sendo assim, ‘Um Estado de Liberdade’ é um drama épico que aborda temas muito relevantes, mesmo que sua história não se aprofunde tanto quanto poderia e dê algumas voltas que poderiam ter sido evitadas.

UM MOMENTO APIMENTADO: O ataque que resulta na cena da igreja, surpreendente e impactante.




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